Um dos ‘pais’ da internet no Brasil, Aleksandar Mandic, morreu nesta quinta-feira, 6, aos 66 anos de idade. Ele foi o responsável por um dos primeiros provedores de internet do País, o Mandic. Deixa três filhos e netos.
A causa da morte não foi divulgada, mas o Estadão apurou que o empresário estava com leucemia e aguardava um transplante de medula óssea – no ano passado, ele ficou internado, e chegou a ser intubado, após contrair covid-19. Com residência em Portugal, Mandic havia voltado a morar no Brasil em dezembro quando a saúde passou a ficar mais fragilizada. Atualmente, ele era o presidente da WiFi Magic, aplicativo que reúne senhas de WiFis públicos de rua em todo o mundo.
Segundo apurou a reportagem, Mandic conseguiu doação de medula da irmã, e precisava ganhar peso para passar pelo transplante. Antes disso, passou por um ano difícil. Durante a covid-19, chegou a ficar 40 dias na UTI e foi forçado a uma rotina de idas e vindas do hospital, quando teve que lidar com pneumonias e infecções.
A Mandic Cloud Solutions, empresa que ele ajudou a fundar em 2002 (ainda com o nome Mandic Mail) emitiu um comunicado no começo da noite: “É com imenso pesar que recebemos a notícia sobre o falecimento de Aleksandar Mandic na tarde desta quinta-feira (06/05). Mandic foi um líder visionário que contribuiu fortemente para o desenvolvimento da internet e de novas tecnologias no Brasil. Ele já não fazia mais parte da composição acionária de nossa empresa, mas seu espírito inovador estará sempre nos acompanhando. Reconhecido como um dos maiores empreendedores do Brasil, ele será carinhosamente lembrado por todos por sua personalidade alegre e por sua inspiradora visão de futuro”.
Assim como tantos empresários de sucesso nos primórdios da internet, Mandic começou na garagem da sua casa. Com formação técnica em eletricidade, trabalhava na Siemens quando teve a ideia de, usando duas linhas telefônicas, começar uma BBS. Assim, em 1990, nasceu o Mandic BBS (sigla de Bulletin Board System, antigo sistema de informações eletrônicas por conexões telefônicas) de uma linha de telefonia de sua casa para montar a empresa, que conectava usuários em uma rede de correios eletrônicos com tópicos de discussão.
“Criei o Mandic para usar no trabalho, na Siemens. Mas não deu certo, então eu levei para casa e comecei a convidar alguns amigos. No começo, tinha quase ninguém. Depois passei a oferecer e-mail e, em 1995, eu tinha 10 mil usuários”, contou o empresário ao Estadão em 2015.
“Quando ele soube que a Fapesp estava ligando-se à internet, veio falar conosco para saber como conseguria fazer um gateway ligando os usuários dele com os outros usuários do mundo, para que as coisas fluissem. Fizemos uma ponte em que havia como os e-mails circularem”, conta ao Estadão Demi Getschko, outro pioneiro da internet brasileira.
A Internet perdeu hoje Aleksandar Mandic, pessoa notável, empreendedor de gênio, e pioneiro da Internet… Tenho o orgulho de ter sido amigo e convivido com ele desde 1992… Triste nota. pic.twitter.com/K5OSWt5tlf
— Demi Getschko (@Getschko) May 6, 2021
“Chegamos na era em que os visionários pioneiros da internet brasileira começam a nos deixar. O legado deles é a imensa criatividade, a inovação e a transformação que os brasileiros criam todos os dias na rede. Mandic acreditava no poder da internet antes da internet ser tudo. Ele foi na frente e criou uma das primeiras histórias de sucesso genuinamente brasileiras na rede. Foi com Mandic que muita gente teve que desligar o telefone para cair na rede global”, diz Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio)
Importância no IG
Com a consolidação da internet como meio comercial, abandonou o sistema BBS para aderir de vez ao formato world wide web (www) em 1995. Em 1999, Aleksandar decidiu vender a empresa, então com 110 mil clientes, para a argentina Impsat quando viu a concorrência no setor crescer — tempo suficiente para escapar do furo da bolha da internet. “Quatro meses depois, estourou a bolha. Se não tivesse vendido o negócio naquele momento, teria perdido meu dinheiro”, contou o empresário ao Estadão em entrevista de 2012.
No ano seguinte, Mandic ajudou a fundar o iG, provedor de internet que inovou na rede brasileira ao não exigir que os usuários fossem correntistas de algum banco. À época do lançamento, Mandic elogiava o fato de que a internet começava a se mostrar um empreendimento rentável sem cobrar dos usuários a entrada no serviço: “Anos atrás era impossível porque não havia publicidade nem comércio eletrônico”, declarou ao Estadão à época, quando havia somente 7 milhões de ‘internautas’.
“No iG, ele mantinha o comportamento único. Havia frases por todas as partes e um martelo na mesa (‘para quem só tem um martelo, todos os problemas são pregos’, dizia). Gostava de frases de efeito e as colecionava”, conta Demi. Entre algumas frases que o amigo lembra estão: “Todos cozinham com água”, “Melhor errar depressa que acertar devagar” e “O prego que ressalta é o que acaba sendo martelado”. Mandic ficou no iG até o final de 2001.
Carreira
Em 2002, ele fundou a Mandic Mail, voltada para e-mails coporativos. Em 2004, o empresário disse ao Estadão que a empresa tinha atingido 80 mil clientes. No ano seguinte, a Mandic passou a oferecer duas novidades imensas aos clientes com e-mails corporativos: armazenamento ilimitado na caixa postal e protocolo IMAP, o que permitia que o usuário acessasse as mensagens de qualquer computador”.
Na sequência, a Mandic Mail evoluiu até se tornar a Mandic Cloud Solutions, um empresa de serviço em nuvem. Já nesta versão, a Mandic Cloud Solutions foi vendida, em 2012, para o fundo americano Riverwood Capital, por R$ 100 milhões, do qual Madic comprou uma parte das ações e se tornou conselheiro. Posteriormente, ele acabou deixando a empresa.
Na sequência, ele fundou a Mandic Magic — atual Wi-FI Magic. Com ela, o empresário queria chegar à fortuna, fazendo o aplicativo se tornar tão popular quanto o WhatsApp ou Uber. Nascida como um hobby em 2013, a empresa, que fornecia conexões e senhas de internet de roteadores próximos, atingiu 15 milhões de usuários em apenas um ano.
Em entrevista à revista Exame, Mandic afirmou que Apple e Microsoft entraram em contato com o empresário para comprar a tecnologia. “Queremos ser um WhatsApp brasileiro”, afirmou Mandic em 2014.
” Ele prosperou e chegou a comprar um avião. Vendeu tudo e andava com um Fusca azul claro. Mudou-se para Portugal depois de criar a Mandic Magic”, lembra Demi.
Política
Além da carreira de empresário, Mandic tentou se aventurar no mundo da política. Nas eleições federais de 2010, Mandic candidatou-se a deputado federal e prometeu uma campanha respeitando a sua carreira como empresário: sem panfletos, apostou em blogues, canais de comunicação, revelou número de celular e lançou um santinho eletrônico — um cartão com foto e número enviado a usuários de iPhone. Como promessa de campanha, defendia Wi-Fi gratuito em locais públicos e nas principais estradas do País. “Marechal Rondon fez rodovias, e Mandic fará Infovias”. No total, recebeu 10,9 mil votos e não se elegeu.