Em pé com as mãos para trás, Márcia Cordeiro observava o poema Deus-Verme, de Augusto dos Anjos, no painel à sua frente. Vestida com o uniforme amarelo de trabalho, a funcionária da limpeza de 43 anos que trabalha na Casa das Rosas aproveitava a pausa no expediente para apreciar os versos mórbidos do poeta paraibano. “Eu vejo a vida assim também. O que morre é a carne. O espírito ainda continua, como ele fala. A alma vai para algum plano por aí.”
A fachada do sombrio e, ao mesmo tempo, elegante casarão localizado na Avenida Paulista exibia um cartaz com o termo Esdrúxulo!, que não poderia ser mais apropriado para chamar atenção para a mostra em homenagem ao escritor, morto há 100 anos. “Ele possuía uma visão panteísta e filosófica da vida, de que o ser humano faz parte de um contexto maior, em constante evolução, sendo a morte parte da transformação do universo”, diz o curador da mostra, Júlio Mendonça.
Augusto dos Anjos viveu e produziu pouco. Desde o nascimento, em 1884, até a morte por pneumonia, em 1914, publicou apenas um livro, Eu. Formado em Direito, foi influenciado principalmente pelo pai, ávido leitor de filosofia europeia. O interesse por outros campos do conhecimento, como a biologia, incrementaria seu repertório. Aliando morte, poesia e ciência, ele formaria ali a identidade de sua escrita.
À máxima latina memento mori (lembre-se de que és mortal), que carrega seus versos de pessimismo e morbidez, não escapa nem a trágica morte prematura de seu primeiro filho, retratada em “Porção de minha plásmica substância / Em que lugar irás passar a infância/ Tragicamente anônimo, a feder?”
Arriscando o português, o australiano Barnaby Smeaton entrava em contato com a obra do poeta pela primeira vez. “Não sou religioso, então a literatura secular é um espaço para pensar sobre a morte. Estamos preocupados com a vida cotidiana. Não paramos para pensar muito sobre o fim.”
Smeaton, aliás, representa uma parcela da popularidade que o poeta ganhou, como explica Júlio Mendonça. “Ao longo das décadas, o livro de Augusto dos Anjos tornou-se um dos mais populares da literatura brasileira. Tem atraído desde leitores iniciados até outros com pouco repertório. Ele interesse ainda a jovens urbanos que pensam na morte, na morbidez, na visão pessimista do mundo, temas recorrentes na cultura contemporânea. Esperamos esse público por aqui.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.