Dono de um acervo com mais de 1.300 obras, o advogado e procurador curitibano Sérgio Carvalho, que mora em Brasília, começou sua coleção de arte em 2003, ao conhecer artistas como Nazareno, João Rufino, Eduardo Frota e Valéria Pena-Costa. Carvalho tinha, então, 42 anos, e decidiu vender as gravuras de Goeldi de seu acervo para comprar obras de contemporâneos seus. Parte dessa coleção, formada por 200 obras, ocupa até 27 de março o Centro Cultural Correios de São Paulo, no centro, que apresenta, na exposição Vértice, três distintas visões curatoriais em módulos intitulados Relatos, Construções e Assombros.
Em Relatos, com curadoria de Marília Panitz, estão reunidas obras caracterizadas por um viés realista, documental. Construções, com curadoria de Polyanna Morgana, tem fotos, pinturas, esculturas, vídeos e instalações ligados a uma linguagem mais abstrata, construtiva. Finalmente, Assombros, que tem curadoria de Marisa Mokarzel, realidade e ficção se cruzam num território marcado pela “fantasmagoria”, segundo Marília Panitz, que acompanhou o Caderno 2, do jornal O Estado de S.Paulo, numa visita à exposição. O elenco da mostra cobre várias gerações de artistas, de Antonio Dias, que renovou a figuração brasileira há meio século, à pintura Ana Elisa Egreja, que hoje cumpre esse papel.
A coleção de Sérgio Carvalho é um exemplo de ecletismo. Está bem representada na mostra dos Correios: Berna Reale, César Meneghetti, Daniel Senise, Eder Santos, Efraim Almeida, Emmanuel Nassar, Farnese de Andrade, Iran do Espírito Santo, Janaína Mello, José Rufino, Lúcia Koch, Marcelo Moscheta, Marcelo Silveira, Mauro Restife, Nazareno, Rochelle Costi, Rubens Mano, Sofia Borges e Wagner Barja são alguns dos destaques.
Obras desses artistas foram sendo incorporadas à coleção de forma aleatória. “Um artista foi me apresentando a outro e a coleção foi se formando naturalmente, a partir da compra de duas fotos de Lúcia Koch”, conta o colecionador Sérgio Carvalho, nascido há 55 anos. “Minha única exigência, quando comecei a colecionar, era que o artista fosse contemporâneo e sua obra me enchesse os olhos.” Há, claro, uma ou duas exceções entre os artistas, que são de outras gerações, como Nelson Leirner (84 anos) e o mineiro Farnese de Andrade (1926-1996), ambos representados na mostra dos Correios.
Pianista de formação jazzística, Carvalho não se preocupou em organizar sua coleção segundo critérios regionalistas, mas praticamente todos os Estados brasileiros estão representados em Vértice, o que transforma a exposição também num pequeno panorama da arte brasileira dos últimos 13 anos. Curiosamente, Carvalho é um raro exemplo de colecionador que compra performances – ele adquire o direito das partituras seguidas pelos performers, inclusive a da performance Maleducação, do grupo Empresa, que abriu a mostra de sua coleção em São Paulo.
“Apostamos na ideia do risco que caracterizou a formação desse acervo”, diz a curadora Marília Panitz, apontando como exemplo a obra Ciclotrama (2014) da artista mineira Janaína Mello, cuja formação arquitetônica se revela na construção dessa árvore às avessas, com raízes voltadas para o céu e o tronco forrado por 5 mil metros de tecido. Outro artista original que integra a coleção é o veterano Wagner Barja, diretor do Museu Nacional de Brasília, que apresenta na exposição seu trabalho mais recente, o registro em vídeo (Arapucas Semânticas, 2015) de uma farra gastronômica de micos, que comem palavras inteiras feitas de bananas.
Há muitos vídeos na mostra, um deles, Caixa Fantasma, de João Angelini, que é uma representação metafórica do estado de miserabilidade dos museus brasileiros. Animação em stop motion, o vídeo mostra uma caixa, dessas que embalam obras de arte para viagem, circulando pelas dependências do Museu de Arte de Brasília, fechado em 2007 por determinação do Ministério Público por considerar suas instalações um risco para o acervo – o museu, evoque-se, foi uma referência para artistas jovens residentes em Brasília.
“Há toda uma geração de novos artistas no Distrito Federal”, observa o colecionador Carvalho, que vem adquirindo a produção desses contemporâneos, como o pintor mineiro Fábio Baroli, de 35 anos, que vive há muito tempo na Capital e está presente na mostra Vértice com um óleo hiper-realista. A coleção do procurador também reúne a produção de premiados fotógrafos como Mauro Restiffe, Rubens Mano, além do pernambucano Paulo Meira, representado por um vídeo desestabilizador, O Marco Amador, em que aparece carregando nos ombros uma mulher negra, ao simular uma viagem pelo mundo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.