Da infância: minha avó, branquinha, cearense da família Sombra, que fumava cachimbo e contava histórias de Pedro Malazarte; seu filho Oswaldo, meu pai, homem sério, inteligente, responsável pelo sustento da sua família, desde os 11 anos de idade; dona Áurea, minha mãe, filha de português, sensível, cultivadora de jardins e pomares; Raizinha, irmã adotiva, mais velha, atenciosa e dedicada, uma outra mãe; Cirilo, vizinho do bairro da Cidade Velha, amigo de meninice.
Da adolescência: Silvério, padre musicista, no Seminário, e, Alírio, colega de turma, que gostava de Latim; Franco, amigo/irmão, educador espontâneo, na sua luta por Justiça Social, como líder estudantil católico; Cyro, psiquiatra e psicanalista, comunista dissidente do velho Partidão, refinado com um príncipe, terapeuta e guru particular, didata sensível, guia na descoberta de rumo novo para dar aos meus dias.
Da juventude: Ruy, colega brilhante, criador da faculdade de Jornalismo em Londrina, minha porta de entrada para o Magistério. Fernando, jovem repórter inquieto, do Estadão; Paulo Salomão e José Ferreira, fotógrafos companheiros de reportagens, Noronha, filho de banqueiro que renunciou à riqueza para ser repórter, na Editora Abril; Carlos, redator-chefe, fumante, pigarrento; Kalili, HAF e Miltainho, a “Santíssima Trindade” da criatividade rebelde, no Jornalismo Alternativo, “réguas e compassos” da nossa geração.
Da maturidade: Paulo de Tarso, companheiro mais velho, mestre histórico, no “mar tenebroso da Política”, segundo suas palavras; Lucila, colega de faculdade e namorada, de sangue italiano, amante da vida; os companheiros de docência: Armando, homem de teatro, vibrante; Elarrat, poeta, na Engenharia, Peres, apaixonado pelo ensino; e os alunos: Horner, culto, talentoso; Kubo, discreto, silencioso.
Todos morreram. Todos.
E não perdi nenhum.
A primeira foi a avó. No dia da encenação da peça de teatro, na Igrejinha de Santo Alexandre. Doutora Betina, também já morta, professora de Catecismo, teve de explicar ao público a situação do seu ator, de oito anos.
Depois, as outras pessoas.
Não pude mais conversar com elas. Uma pena! Mas, já tinha acontecido, antes de elas morrerem, por outros motivos. Viagens, compromissos. Por isto, a morte não abalou nossos laços. Posto que não somos um amontoado de carnes sobre ossos. São as emoções, as lembranças e os afetos que nos fazem existir. Os que guardamos em nós. E os que despertamos nos outros.
Assim, os laços se mantêm, na distância física, que nos impede de ver as pessoas que amamos, vivas. Tampouco esmaecem, quando não as vemos, por terem morrido. Nada afeta a força das emoções e dos afetos. Que preservam nossa memória. Contra as distâncias físicas. E contra o tempo. O que não acontece com os relógios, que o impõem. Eles, sim, viram peças inanimadas de museu.
(Ilustração: Museu Histórico de Londrina)
Agradeço aos leitores que enviaram cumprimentos pelo meu aniversário.