Passava das 17h30, de sexta-feira, 15, na Avenida Paulista, no centro de São Paulo, dois dias antes da votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados. Nas costas de Jefferson Luiz, de 29 anos, uma mochila preta e pesada, desses modelos escolares com várias divisórias. Nas mãos, os três personagens mais falados no País atualmente: Dilma, o ex-presidente Lula e o juiz federal Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato.
Cada pixuleco – como ficaram conhecidos os bonecos infláveis – sai por R$ 20. Uma Dilma com sorriso diabólico e um Lula triste vestem uniformes de presidiários, em preto e branco, com o número 13-171 no peito. O juiz é forte e sério. Tem capa e uniforme nas cores verde, azul e amarelo ufanistas com um emblema SM. As iniciais brincam com o que poderia ser SuperMan (super homem, em português), mas se referem a Sérgio Moro.
“Graças a deus, está vendendo bem”, diz em tom de alívio. Na mochila, se apertar bem os pixulecos em cada divisória, dá para guardar centenas deles. Todos vazios. “A pessoa enche na hora”, ri. Cada um com seu esforço, seja para driblar a crise econômica, seja para afagar as crenças em vilões e mocinhos no Planalto.
Neste domingo, 17, o plenário da Câmara vota para decidir se o processo de impeachment segue em frente ou é arquivado. Com 342 votos contra o governo, o processo segue para o Senado.
Os parlamentares deverão começar a votação a partir das 14h, na Câmara dos Deputados, em Brasília. No mesmo horário, o ambulante conta que estará na Avenida Paulista com seus pixulecos à venda.
Jefferson afirma que, desde março, se sustenta com a venda dos bonecos. Ora na Paulista, ora na Praça da Sé, outro ponto de concentração de manifestações no coração da capital.
“Muita gente continua alienada e é comprada por cesta básica, por R$ 30 de lanche com mortadela na Sé. Eu vi isso. Eu estava lá fazendo a divulgação contra, o pessoal veio até querer bater na gente, porque eles estão alienados. Eles acham que, pelo que o Lula fez, ele não tem o direito de receber o impeachment, mas e o que veio acarretando antes disso?”, relata, incluindo Lula, que deixou a presidência em 2010, no processo de impeachment de Dilma.
O ambulante diz que ficou desempregado em janeiro deste ano. Trabalhava como vigilante em uma empresa também no centro de São Paulo, que em meio à crise econômica mandou 170 funcionários embora.
Segundo cálculos do economista e blogueiro do jornal O Estado de S. Paulo Alexandre Cabral, por hora, 282 brasileiros ficam desempregados. O Brasil desse contingente já tem quase a mesma população de Portugal: beira os 10 milhões de habitantes.
Com a venda dos pixulecos, Jefferson conta que tirou entre R$ 2 mil e R$ 3 mil só em março. “Bem mais” do que os R$ 1.270 que ganhava como vigilante e os R$ 105 que recebe do programa Bolsa Família.
“Além de a gente começar a ser mantido por esse trabalho, a gente também quer expor nossa democracia”, opina. Na democracia de Jefferson, a presidente Dilma não cabe mais. Para o ambulante, a presidente é culpada e deve deixar o posto.
“Na minha opinião, quero que tenha o impeachment. Embora tudo o que aconteceu veio estourar na mão da Dilma, ela teve uma boa parte de colaboração nesse tema junto com o Lula”, declara.
Nas últimas três eleições presidenciais, Jefferson votou nulo. Nem situação, nem oposição, não houve quem conquistasse seu apoio. Agora, o impeachment lhe parece uma boa saída.
“Assim, de imediato não vai resolver, mas já é meio caminho andado. Se nós que somos a força do Brasil, a população, não conseguirmos exercer os nossos direitos, então, nada vale.”
Caso Dilma seja impedida e tenha que deixar o cargo, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assume. Em seu lugar, entraria o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu por corrupção e lavagem de dinheiro em ação que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Operação Lava Jato.
Jefferson conhece Michel Temer de rosto. “Mas não lembro o nome”, diz. Em relação às propostas de governo do atual vice-presidente, revela que “ainda tenho que verificar, não tive tempo”.
Sobre Eduardo Cunha, o ambulante diz que já ouviu falar bem e mal. “Tenho que analisar primeiro, entrar no site para verificar os projetos que eles têm feito para poder dar uma opinião”.
Mas para mudar mesmo, em definitivo, Jefferson diz que é preciso fazer muita coisa. “Tem que melhorar dentro, o pessoal interno tem que ser renovado, tem que ter melhores propósitos, sem ser só fisgar a parte deles”, sustenta, sem choro nem vela, torcendo para que seu recado seja ouvido.