Nos dois primeiros anos de mandato, o presidente Jair Bolsonaro priorizou a participação em eventos ligados às Forças Armadas em agendas oficiais no Rio de Janeiro, seu berço político. A cada quatro compromissos do mandatário em terras fluminenses, três envolvem os militares ou as polícias, segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo com base na agenda oficial dele. Na sexta-feira passada, por exemplo, esteve em formatura da Polícia Militar, na qual atacou a imprensa e instigou os soldados a não acreditarem na mídia.
Ao todo, 31 das 41 agendas do presidente no Estado neste período se encaixam nesse quesito. E, entre as dez com civis, três envolveram atos evangélicos, o que joga luz sobre outra parcela do eleitorado que Bolsonaro busca fidelizar.
Num desses eventos, um megashow de aniversário da Igreja Internacional da Graça de Deus, o presidente dançou ao lado do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) e do juiz federal Marcelo Bretas.
Se forem somados os encontros com as Forças Armadas, policiais e religiosos, chega-se a 83% dos compromissos do presidente no seu reduto político, apesar de a cidade, ex-capital da República, ter boa parte de seu patrimônio ligada à União.
Eleito pela primeira vez para um cargo público em 1988, quando concorreu a vereador no Rio, o ex-capitão Bolsonaro sempre teve os militares como um eleitorado-chave para alçar voos maiores – em 1990, ele virou deputado federal, cargo no qual permaneceu até 2018.
Na tribuna da Câmara, despontou como um defensor ferrenho da atuação das polícias País afora, chegando até a apoiar grupos de extermínio formados por agentes públicos. Também reclamava, sempre que podia, do suposto sucateamento das Forças Armadas por parte dos governos.
Estudioso da relação entre os militares e o Poder, o cientista político João Roberto Martins Filho destaca que é atípico um presidente da República frequentar "compromissos pequenos" como os que Bolsonaro prestigia.
Esses encontros do mandatário com militares no Rio são, na maior parte, cerimônias de formaturas ou demais solenidades, como a entrega de espadins. É comum, por exemplo, ele visitar a Academia Militar das Agulhas Negras, no Sul fluminense, onde o próprio presidente serviu ao Exército. Foram sete agendas por lá desde que assumiu o Planalto.
"Vemos aí uma valorização simbólica da imagem dele como militar, o que não faz sentido com a realidade. Bolsonaro abandonou muito cedo o Exército, desafiou a hierarquia", aponta o professor. "Teve uma carreira sindical e não deixou de ter depois de ser eleito."
Martins Filho aponta três fatores que podem ser centrais para entender a assiduidade com que Bolsonaro vai a esses eventos. Dois deles são elementares: primeiro, a pouca quantidade de obras para inaugurar ou o desinteresse por determinados locais do Rio ligados à União, como o Museu e a Biblioteca Nacional. Em segundo lugar, o fato de se sentir em casa nos ambientes militares, o que ajuda a evitar represálias. Por último, um motivo mais preocupante: a tentativa de formar uma base – armada – para eventuais tentativas de ruptura institucional.
"Essa frequência com que ele se mostra amigo dos setores mais baixos das Forças Armadas e das polícias não deixa de ter uma mensagem subliminar: a de que vai apelar para essas bases. Ele está instigando comportamentos perigosos de corporações armadas", afirma o professor ao comentar, por exemplo, os ataques à imprensa feitos na última sexta-feira.
<b>Clã</b>
Antes de virar presidente e enquanto defendia por anos os militares na tribuna da Câmara, o hoje presidente fez o filho Carlos virar vereador no Rio, em 2000; três anos depois, foi a vez de Flávio se eleger deputado estadual. Na Assembleia Legislativa, o "zero um" de Bolsonaro se destacou como um protetor intransigente da Polícia Militar, inclusive em casos de homicídios praticados por agentes e na atuação das milícias.
Empregou em seu gabinete, por exemplo, a mãe e a ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano, miliciano morto pela polícia da Bahia em fevereiro deste ano.
Boa parte desses eventos militares no Rio costuma ser fechada à imprensa – especialmente na Aman, em Resende, onde o contato de jornalistas com o presidente costuma ser na barraca de cachorro quente "podrão" que ele visita toda vez. Em outros, contudo, há credenciamento e é possível acompanhar de perto o discurso de Bolsonaro. Neles, o presidente também critica adversários.
Em outubro de 2019, uma cerimônia no Complexo Naval de Itaguaí, na região metropolitana, marcou o primeiro ataque, mesmo que discreto, de Bolsonaro ao então aliado Wilson Witzel. Hoje afastado do governo do Rio, ele começava a manifestar o interesse de concorrer à Presidência, o que incomodou o presidente – que rapidamente o transformou em inimigo político.
Naquela solenidade, Bolsonaro, que olhava para a plateia, virou para o governador na hora de dizer que tinha "inimigos internos" e que quem almeja ser presidente precisa agir "de forma ética, moral e sem covardia".
Na última sexta-feira, por outro lado, exaltou o governador em exercício Cláudio Castro, substituto de Witzel e aliado do clã. Disse que o interino "honra o mandato". As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>