Extorsão de atletas, subornos para a escolha de sedes de locais para competição, camuflagem de casos de doping e de contratos de marketing. Uma investigação independente revelou nesta quinta-feira uma dimensão inédita da corrupção e do crime nos esportes, levando a Interpol a acionar seu alerta contra dirigentes, abrir uma investigação mundial e envolvendo até o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Essas são as constatações de um informe produzido pela Agência Mundial Antidoping que, no final do ano passado, já havia tomado a decisão de suspender a Rússia das competições de atletismo no Rio de Janeiro, durante a Olimpíada. Agora, os russos parecem ainda mais distantes de voltar a competir.
Escrito por Dick Pound, o novo documento de 89 páginas denuncia a “corrupção enraizada na Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF)” e que os casos não foram apenas isolados. A Interpol lançou um alerta vermelho em relação a Papa Diack, filho do presidente da IAAF, Lamine Diack, e a Justiça francesa indicou que está processando uma série de pessoas por crime organizado, lavagem de dinheiro, fraude e outros crimes. Para os investigadores, o caso vai “muito além” do escândalo da Fifa, já que envolve não apenas os dirigentes, mas atletas, médicos, patrocinadores e governos.
Em seu primeiro informe, produzido em novembro, Pound apontou que a Rússia estaria patrocinando um esquema de doping liderado pelo próprio governo. Agora, o documento ainda lança dúvidas sobre os diversos dirigentes da federação, inclusive seu atual presidente, Sebastian Coe, organizador dos Jogos de Londres de 2012. Vice-presidente da IAAF por sete anos, ele teria feito parte da cúpula da entidade enquanto os crimes estavam ocorrendo.
Para Pound, “não há como imaginar que a IAAF não soubesse” do que ocorria na Rússia. Os dirigentes, assim, teriam sido peças fundamentais para manter atletas nas competições, atrasar testes e ainda exigir dinheiro dos esportistas em troca de silêncio. Os funcionários da IAAF não destruíram os testes, como fizeram os médicos russos. Mas os esconderam em suas gavetas e atrasaram qualquer tipo de procedimento.
No centro dos escândalos está Lamine Diack, ex-presidente da entidade e que, segundo a investigação, pediu dinheiro em troca de favores por parte dos russos na tentativa de abafar casos. Assim como ele, Gabriel Dollé, ex-diretor da divisão antidoping, está sendo investigados pelo Ministério Público da França.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, também é citado. No informe, os investigadores revelam como, de repente, a relação entre Diack e Putin ganhou uma nova dimensão. O dinheiro de Moscou também começou a entrar, com um salto de US$ 6 milhões para US$ 25 milhões dados por um banco russo para os direitos de transmissão do Mundial de Atletismo em 2013.
Num dos trechos do informe, os investigadores mostram como Diack se reuniu com um dos advogados da entidade, Huw Roberts. O advogado, então, explicou que nove atletas russos haviam sido pegos nos testes de doping e questionou o dirigente sobre como ele deveria lidar com o caso.
Diack apenas explicou que “estava em uma posição difícil e que apenas poderia ser resolvida por Putin, com quem ele construiu uma amizade”. Nenhum dos nove atletas competiu no Mundial de Atletismo de 2013. Mas os casos não foram investigados e engavetados.
Em janeiro de 2014, o advogado pediu sua demissão, depois de ficar claro que ele não teria controle sobre os casos de doping envolvendo os russos. Diack havia escolhido outro advogado para lidar com os casos russos, Habib Cisse, seu assistente pessoal e sem qualquer experiência em casos de doping. Hoje, Cisse está sob investigação na França por corrupção.
Segundo os investigadores, o caso dos nove atletas russos foi revolvido em 2012, num hotel de Moscou. No encontro estavam Cisse, um dos filhos de Diack, um conselheiro de uma TV local e o chefe da Federação de Atletismo da Rússia, Valentin Balakhnichev. No encontro, o pagamento da TV russa para a IAAF triplicou, sem motivos aparentes. Agora, Pound quer que o acordo seja investigado.
Nos Jogos de 2012, a Rússia ficaria com 17 medalhas no atletismo, superada apenas pelos EUA. Os atletas que tiveram seus testes abafados, porém, foram alvo de extorsão e tiveram de pagar aos dirigentes internacionais.
No dia 28 de setembro de 2012, Diack receberia um informe mostrando que 42% dos atletas russos testados estariam dopados. O informe também apontava para detalhes preocupantes com atletas do Marrocos, Espanha, Turquia, Ucrânia e Quênia.
LOBBY – A influência da família Diack também passou a ser alvo de investigações. E-mails do filho do dirigente da IAAF apontam que ele teria “entregue pacotes” para membros do COI antes da escolha da sede dos Jogos de 2016. Doha concorria e havia estabelecido um acordo com a família.
Num informe técnico, Doha acabou se saindo melhor que o Rio de Janeiro, que recebeu o evento. Mas a cidade no Catar foi desclassificada diante da proposta de ter o evento em outubro, para evitar o verão no Oriente Médio. Papa Diack também estaria envolvido em escolhas de locais para o Campeonato Mundial de atletismo e, até 2015, ele manteve um contrato com a IAAF como consultor. Desde 2007, ele tinha o mandato de buscar parceiros comerciais em diversos países, entre eles o Brasil.