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O belo, o feio e uma obra aberta para desafiar os leitores

Filósofo, linguista e bibliófilo, Umberto Eco começou sua carreira orientado pelo pensador italiano Luigi Pareyson (1918-1991), ativo intelectual que participou da resistência antifascista e transmitiu ao aluno lições da filosofia de Kierkegaard, mas, principalmente, o valor de estudar o belo, que viria a caracterizar a fase final dos estudos do escritor italiano. A exemplo de Pareyson, Eco estava convencido de que chegar à verdade (e ao belo) é percorrer um longo caminho por meio da interpretação. Suas ideias estéticas evoluem igualmente a partir da hermenêutica, como em Pareyson. Os primeiros trabalhos intelectuais de Eco, não por outra razão, dizem respeito à estética medieval, período que renderia assunto para o mais popular de seus livros, O Nome da Rosa.

Mas foi com o estudo dos contemporâneos que seu nome começou a ser conhecido no Brasil, a partir da publicação de Obra Aberta (1962), livro original e desestabilizador aqui publicado pela Editora Perspectiva. Nele, Eco populariza o conceito de “obra aberta”, segundo o qual uma obra de arte conduz à expansão do repertório semântico e a infinitos jogos semióticos, numa espécie de espiral borgiana. Borges, aliás, é uma das afinidades eletivas de Eco.

O que Eco traz de novidade nos anos 1960 é o seu interesse genuíno pela cultura de massa, cruzando a fronteira entre o erudito e o popular nos ensaios de Apocalípticos e Integrados (1964). O filósofo critica os intelectuais que ignoram as manifestações culturais de massa por considerar que essas contaminam a “alta cultura”. Eco era um democrata em matéria de cultura, embora nunca tenha feito concessões em seus julgamentos artísticos. Se dedicou um livro ao belo (História da Beleza, 2004) na história da arte, logo em seguida publica outro volume dedicado ao feio (História da Feiura).

Para Eco, a simetria era não só necessária, mas essencial. O livro, óbvio, não existe sem o leitor. Cabe, portanto, a ele mover o seu conteúdo para a frente – daí seu interesse pela semiótica, que ocupou sua vida por toda a década 1970. Mais recentemente, ele fez essa máquina se mover não exatamente por intermédio das palavras, mas por imagens, levando esse leitor a refletir sobre a beleza não como um dado absoluto, mas relativizada pelos valores culturais dos povos e pela geografia.

Eco foi criticado por certo desleixo histórico, mas todos reconhecem sua contribuição para o estudo da filosofia do belo, que, resumido de forma breve e grosseira, pode ser definido como uma projeção da imagem que o homem faz de si mesmo – na Idade Média, por exemplo, ele teria uma obsessão patológica pela luz, emulando o ambiente luminoso do paraíso celestial.

No espaço de dois anos de publicação, Eco pulou do belo para a feiura, concluindo que o feio tem mais apelo erótico. E é também mais engraçado. Ao escrever sobre o tema, o filósofo admite que a feiura é também mais interessante que a beleza, pois desconhece limites. As gorduchas de Botero seriam belas ou “interessantes”? Eco, na ocasião de lançamento de História da Feiura, saiu com essa: “Pelo menos elas não são anoréxicas”. Antes, alertou que o feio de hoje pode ser o belo de amanhã. A beleza é, enfim, uma obra aberta.

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