No dia 9 de abril, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulgou uma nota lacônica para informar que havia identificado e multado o "chefe do esquema criminoso" de grilagem de terras indígenas na Amazônia. Em poucas linhas, o órgão informou que o infrator havia sido multado em nada menos que R$ 105,5 milhões, por ter desmatado uma área equivalente a mais de 21 mil campos de futebol em uma terra indígena no Pará. O Ibama só não disse, afinal, quem é o maior grileiro de terras do País.
O <i>Estadão</i> apurou se tratar de Jassonio Costa Leite, um empresário de Tocantins que mantém relações diretas com políticos em Brasília, frequenta gabinetes no Congresso Nacional e é apoiador do presidente Jair Bolsonaro, já tendo conversado com o chefe do Executivo em suas paradas matinais no "cercadinho" do Palácio do Alvorada, local onde o presidente reúne defensores de seu governo na saída da residência oficial.
Jassonio foi autuado após investigações realizadas pelos agentes do Ibama, que recolheram uma série de depoimentos e denúncias anônimas durante ações de fiscalização realizadas desde o início de 2019. O empresário, segundo o Ibama, lidera um grupo formado para invadir terras indígenas, fazer seu loteamento e vender as áreas dentro do território protegido. O empresário foi um dos principais responsáveis pelo processo de grilagem da terra indígena Ituna-Itatá, localizada no município de Senador José Porfírio, no Pará. A região registrou um dos maiores índices de desmatamento ilegal em toda Amazônia entre 2018 e 2020.
Em abril do ano passado, quando o Ibama realizou uma megaoperação de combate ao desmatamento na região, Jassonio recorreu ao apoio de políticos para tentar barrar a ação. O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) recebeu o empresário e sua filha. Zequinha gravou um vídeo para criticar o Ibama e dizer que estava recorrendo ao governador do Pará, Helder Barbalho, para dar fim à operação. Na gravação, o senador disse que o governo paraense e sua Polícia Militar não podiam "dar cobertura a servidor bandido e malandro como esse pessoal do Ibama". Ao lado do senador, Jassonio agradeceu pela "tamanha coragem de correr atrás para tentar resolver a situação".
A pressão, porém, não paralisou a operação. Na primeira quinzena de abril, a equipe de agentes do Ibama fez diversas incursões nas terras indígenas da região. Nas ações, foram lavrados 26 autos de infração, 24 apreensões e 17 termos de destruição de máquinas, entre outros itens.
<b>Repercussão</b>
As imagens dessa operação, com tratores e máquinas de grande porte incendiadas no meio da floresta, ganharam repercussão nacional. A destruição dos equipamentos incomodou Bolsonaro, que é radicalmente contra a destruição de máquinas apreendidas no combate a crimes ambientais, apesar de a prática ser prevista em lei há anos. Bolsonaro condenou a ação e cobrou respostas. Dias depois, Ricardo Salles exonerou o diretor de proteção ambiental do Ibama, Olivaldi Alves Borges Azevedo, além dos coordenadores de fiscalização e operações Renê Oliveira e Hugo Loss.
O processo ficou um ano parado no Ibama, até culminar nas multas aplicadas na semana passada. Desde abril do ano passado, as investigações já apontavam Jassonio como o líder do esquema de invasão da terra indígena. Foi identificada ainda a tentativa de erguer uma vila dentro do território, além de uma ampla transferência de títulos de eleitor, como forma de consolidar a ocupação e criar vínculo dos invasores com o poder público local.
A reportagem tentou contato com Jassonio Costa Leite por meio de diversas empresas de pequeno porte que o empresário tem em seu nome, mas não obteve resposta. Salles foi questionado se já esteve com Jassonio ou se conhece o empresário. "Nunca ouvi falar", respondeu o ministro.
O senador Zequinha Marinho afirmou, por meio de sua assessoria, que "não comenta sobre assuntos particulares e que envolvem terceiros".
A respeito de sua atuação contra a operação do Ibama em abril do ano passado, Zequinha declarou que sua atitude ocorreu "em decorrência de conflitos agrários iniciados e motivados" por uma portaria da Funai, que, segundo ele, desconsiderou o ordenamento territorial do Estado do Pará.
Segundo o senador, antes do ato da Funai de 2011, o governo do Pará havia publicado um decreto para criar um assentamento estadual na região. "O decreto retirou 150 famílias de trabalhadores rurais das suas antigas terras, localizadas à margem direita do Rio Bacajaí, e as remanejou para a área que hoje é palco de conflito agrário, no município de Senador José Porfírio", declarou o senador. "Há mais de uma década, ignoram os estudos complementares, fundamentais para a comprovação de indígenas na região e indispensáveis ao prosseguimento do processo de interdição para fins de transformação daquela área em terra indígena."
A Funai declarou que "a interdição" da terra indígena "vem sendo prorrogada sucessivamente desde então" e que a prorrogação mais recente ocorreu em 2019. "A Funai esclarece que a atual gestão está trabalhando para que a questão seja resolvida o quanto antes à luz da segurança jurídica, a fim de conciliar os interesses de indígenas e não indígenas", declarou. O governo do Pará não se manifestou sobre o assunto.
<b>Apreensão de madeiras</b>
O senador Zequinha Marinho foi quem acompanhou Salles, na semana passada, em encontro com madeireiros que foram alvo da maior apreensão de madeira já feita pela Polícia Federal, em dezembro. Na viagem a Santarém (PA), Salles gravou vídeo ao lado de Zequinha para afirmar que iria apoiar a liberação da madeira apreendida, após revisão dos documentos.
Nesta quarta-feira, a Polícia Federal encaminhou ao Supremo Tribunal Federal notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente por obstrução de investigação ambiental, advocacia administrativa e organização criminosa. A peça foi redigida pelo superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva, que liderou a operação de dezembro. A PF acusa Salles e o senador Telmário Mota (Pros-RR) de atuarem em favor de investigados da "Operação Handroanthus", que mirou extração ilegal de madeira na Amazônia no fim do ano passado.
<b>Acusação</b>
Segundo a PF, além de dificultar a ação de fiscalização ambiental, Salles "patrocina diretamente interesses privados (de madeireiros investigados) e ilegítimos no âmbito da Administração Pública" e integra, "na qualidade de braço forte do Estado, organização criminosa orquestrada por madeireiros alvos da Operação Handroanthus com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza". O ministro foi questionado sobre o assunto, mas não se manifestou a respeito. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>