As fotos de prisioneiros políticos mortos, com rostos deformados, irreconhecíveis por quem os conheceu vivos, mostram o grau de perversidade doentia das técnicas de interrogatórios utilizadas contra eles por agentes da Ditadura Militar depois de 1964. Esmagamentos dos crânios com uso de coroa de ferro, choques elétricos com pontas de fiação desencapadas, queimaduras com pontas de cigarros acesos, socos.
Exibidas num painel no Memorial da Resistência de São Paulo, estas fotos estão reproduzidas em sites criados na internet por brasileiros que querem a extinção definitiva da prática de tortura a presos em nosso país. Assim como os nomes dos militares e dos policiais responsáveis pelas deformações dos rostos daqueles prisioneiros políticos. Tais nomes, graças às entidades defensoras dos direitos humanos, aos poucos, foram sendo retirados do silêncio com que estes agentes estiveram protegidos durante décadas pelos serviços de segurança e informação da Ditadura.
Nas listas de nomes, está sempre incluído o do coronel aviador Carlos Alberto Bravo Câmara. A carreira militar dele foi desenvolvida em várias regiões do país. Por isto, deixou rastros de ferocidade espalhados pelo Brasil. Em Recife, por exemplo, a atuação de Câmara foi registrada pela Comissão Estadual da Memória Verdade, no dia 18 de outubro de 2012. Diante dela, Alberto Vinicius, capturado no início dos anos de 1970 pelo Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco, relatou: “Os presos saíram do Dops e eram torturados no Exército e na Aeronáutica. Lá conheci a força do coronel Carlos Alberto Bravo Câmara”.
Também em Recife, dois meses depois, outro ex-preso político, Carlos Alberto Soares, ouvido pela comissão, revelou: foi barbaramente torturado por jovens oficiais sob as ordens de Câmara. No Rio Grande do Norte, a passagem do oficial ficou registrada pelo pesquisador e jornalista Luiz Gonzaga Cortez. Lá, o coronel mostrou sua agressividade na Base Aérea de Parnamirim. Lembrou Cortez, no dia 5 de setembro do ano passado, num artigo postado no blog “Os estudantes e o regime militar”: as torturas de que Câmara participou eram praticadas em “cubículos de cimento situados ao lado do Cassino de Oficiais”.
Uma testemunha destas torturas, localizada pelo pesquisador, concordou em falar, mas pediu que sua identidade não fosse revelada porque ainda sentia medo, nojo, vergonha e vontade de vomitar quando se lembrava do que viu. “Aqueles homens apanharam e sofreram tanto”, disse a testemunha, se referindo aos presos políticos. Câmara – acrescentou ela – era um dos mais cruéis, entre os militares que “gostavam de espancar e humilhar”. Sob a vista dele – prosseguiu -, dois presos políticos, “o médico Vulpiano Cavalcanti e Eider Moura, ficaram cinco meses incomunicáveis. Além das torturas físicas que arrancaram todas as unhas de Vulpiano, eram obrigados a ficar nus, com os corpos pintados de preto, a passearem numa sala vizinha, puxando um brinquedo de madeira”. Nestas ocasiões, Câmara e outro militar, ”xingavam os presos, arrancavam os cabelos dos tórax deles, gritavam palavrões”.
Na lista de torturadores, Câmara é somente um entre mais de 1.600 nomes. O destino dele e de seus parceiros fora previsto por Chico Buarque, há 44 anos. A música “Apesar de Você” ficou impedida, durante uma década, pela Censura da Polícia Federal, de circular através de discos, jornais, rádios e tvs, porque em sua letra Chico, um rapaz de 26 anos, disse a cada torturador: “Hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu? Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Eu pergunto a você: onde vai se esconder? Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro. Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada neste meu penar. Você vai se dar mal”.
Agora se aproxima a passagem dos 50 anos da implantação da Ditadura. O futuro previsto na letra de música chegou. Nenhum torturador foi preso, infelizmente. Mas eles não têm onde se esconder. E, sabem, ninguém quer um torturador na sua família, no seu trabalho, no seu bairro.