Variedades

Obras do artista argentino Copi inspiram debate sobre diversidade sexual

No infame frio da Sibéria, vivem uma mãe, sua filha e a professora de piano da garota. As mulheres estão rodeadas de lobos e podem, habitualmente, mudar de sexo. Temperaturas parecidas também podem ser encontradas na geladeira da casa de L. No dia do seu 50º aniversário, o homem descobre que o eletrodoméstico é habitado por figuras como sua mãe, a empregada e a psicanalista. Além da atmosfera gelada, os dois universos de Copi (pronuncia-se Copí) colocam suas personagens em condições inóspitas e absurdas para tratar de algo muito particular: a sexualidade. Nos últimos anos, as obras do escritor, dramaturgo e cartunista Raúl Damonte Botana (1939-1987) têm sido recuperadas tanto na América Latina e especialmente no Brasil. Os espetáculos Homossexual ou A Dificuldade de Se Expressar e A Geladeira poderão ser vistos na mostra Todos Os Gêneros, que abre nesse sábado, 25, no Itaú Cultural.

O trânsito de Copi pelo teatro, literatura e desenho caracterizava a própria condição fluida de suas personagens. As duas peças trazem indivíduos em períodos de transição, cuja identificação não se limita a ser homem ou mulher, explica o pesquisador argentino Marcos Rosenzvaig. “Ele usava o tango e a coragem dos homens para se transportar para uma situação ridícula. Copi se vestia de mulher sem abandonar a masculinidade. Suas peças mostram uma polimorfia sexual com total naturalidade. Não há preocupação nem culpa.”

Aos 23 anos, Copi já havia se radicado em Paris. No entanto, sua produção em língua francesa não abandonou aspectos latinos, como explica o diretor de Homossexual…, Fabiano de Freitas. “Além desse olhar exótico, ele apostava em textos melodramáticos e outros gêneros tidos como vulgares.” Para Rosenzvaig, a habilidade da escrita de Copi pode ser comparada à do conterrâneo José Hernandez (1834-1886) e seu poema Martín Fierro, que foi construído em versos com oito sílabas métricas e inspirado na forma como os gaúchos falam. “Eu não conheço mais nenhum autor que conseguisse escrever em francês utilizando as gírias portenhas e com versos octossilábicos.”

Se havia rigor na dramaturgia de Copi, ele promovia uma expansão por meio dos temas. Para Freitas, mais que falar de sexualidade e seus gêneros, Copi refletia sobre um dos grandes e antigos desejos da humanidade. “A sexualidade não é um problema para ele, mas para os outros. Ele usava isso como linguagem para refletir sobre a liberdade.” Rosenzvaig acrescenta que não houve muitas possibilidades de apreciação das obras, pois muitas peças foram proibidas. “Não se tratava da anunciar o movimento de libertação gay, mas de apresentar a soma de questões sociais descritas no próprio título da peça: a dificuldade de se expressar.”

Em A Geladeira, dirigida por Nelson Baskerville, surge o conceito copiano de Ator-Travesti. “É a capacidade de trocar de pele e se fazer outro e outro, sempre em transição,” defende Freitas. “Copi era personagem de si mesmo.” E o resultado desse estilo de vida provocaria mudanças nas relações. “Ele desejava superar as barreiras impostas pela homossexualidade e heterossexualidade. Ao se inventarem novas modalidades de relações, logo surgiriam novos modos de existência”, diz Rosenzvaig.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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