Olinda recebeu uma das melhores edições do festival Mimo, o encontro de música do mundo que é realizado há onze anos na cidade pernambucana e em outras três regiões (Ouro Preto, Paraty e Tiradentes). Um dos melhores em termos de programação, mas não só. O conjunto de traços que fazem do projeto da produtora Lu Araújo um evento fora dos padrões ficou mais evidente, transcendendo à condição de entretenimento. Artistas levaram suas plateias a lugares pelos quais, talvez, elas nunca imaginaram passar.
Onze anos permitem um olhar mais clínico. O Mimo, apesar de pressões de ordem comercial que pode ter sofrido, não desistiu de apostar em culturas e povos fora do eixo que delimitou a música pop. Ao contrário, fez desta diretriz uma marca. E, quando esta marca vinga em seus extremos, acontece o que aconteceu quando o grupo do africano Bassekou Kouyate apareceu no palco do Parque do Carmo; quando os escoceses da James Duncan Mackenzie Band ocuparam o Seminário de Olinda ou quando o catalão Jordi Savall tomou a frente do altar da Igreja da Sé.
Bassekou veio do Mali, na África Ocidental. Ao lado da mulher, filhos, irmãos e um sobrinho, aparece sorridente, vestindo uma túnica alegre e levando nas mãos o ngoni como se fosse a própria alma, um instrumento estreito de madeira e três cordas, do qual os africanos têm registros desde 1352. Um de seus filhos toca o ngoni baixo e outro faz o ngoni base. A mulher canta a seu lado em dialetos africanos e, ao fundo, ficam dois percussionistas. Não há guitarra, baixo, teclado nem bateria, mas o som se espalha com a força de uma big band. Bassekou usa pedais de guitarra em seus solos, incluindo o wah wah de Jimi Hendrix em Voodoo Child.
Em quinze segundos de show, sua família cria uma atmosfera mântrica à qual o público se entrega mesmo sem conhecer uma única canção. Bassekou derruba a máxima que os patrocinadores criaram em algum momento, pela qual só nomes de apelo comercial podem ocupar as praças públicas. Já eram quase 2h da manhã quando o show acabou. Ele voltou, fez o bis e se retirou de novo, mas a plateia queria mais e continuou na praça até um temporal dispersar a multidão.
James Duncan é um jovem escocês que integra o que tem sido chamado de nova cena do folk contemporâneo. Seu instrumento principal é a gaita de fole, amparada por trio de piano, violino e violão de aço. O que ele faz é levar a tradição dos gaitistas galeses e escoceses para o universo da canção, ainda que se trate de um grupo instrumental. Suas melodias saem como temas cinematográficos. O impacto de um timbre de muitas gaitas em uma cria um deslumbramento que a plateia sentada nos bancos de fiéis do Seminário de Olinda guardava para os aplausos. Na última nota, um grito puxava outros e uma massa de palmas deixava os músicos sensibilizados.
Jordi Savall faz música medieval, barroca, clássica e renascentista. É um especialista em violas da gamba e tem a seu lado um harpista barroco e um violonista que empunha a ancestral vihuela. Sua música é sutil, com um volume baixo e exigente, mas a viagem que proporciona é distante. As pessoas o seguem até o final com um silêncio de devoção que afirma outra constatação: o festival formou em Olinda uma plateia de excelência.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.