Os hippies dos anos de 1960 eram desprezados pela classe média, na Europa e nos Estados Unidos, à qual a maioria deles pertencia. Cabeludos e desgrenhados, vestidos com pedaços de panos, pareciam sujos. Viviam num mundo à parte, sem interesse pela ascensão social e pelo poder que lhes prometiam universidades e empresas. E, ainda contrariavam leis, fumando maconha e consumindo ácido lisérgico em busca de mundos distantes.
Ao mesmo tempo, os hippies eram desprezados também pelos jovens revolucionários. Para estes, eles pareciam incapazes de alterar a sociedade, na qual não queriam se inserir, conformando-se com a marginalização que lhes proporcionavam suas comunidades, mantidas, num movimento regressivo da História, através da economia de sobrevivência garantida por cultivos agrícolas manuais.
Ninguém imaginaria que, meio século depois, a classe média européia e norte-americana estaria nas ruas por se sentir ameaçada pelo mesmo sistema econômico em que os hippies nunca acreditaram. E que esta classe social, com suas manifestações nas ruas em dezenas de cidades, criaria uma esperança de mudança sócio-econômica, como sonhavam os jovens revolucionários dos anos de 1960.
Mais difícil ainda seria admitir que tudo isto pudesse acontecer como conseqüência das aspirações da Contracultura, o movimento dos hippies. Mas, é exatamente o que está ocorrendo, como sabem as pessoas que estudam a origem daquelas manifestações: a rede mundial de computadores – a mesma que, nos países do Oriente Médio e do Norte da África, incendiou corações, dando origem à Primavera Árabe.
Um daqueles antigos hippies, o físico inglês Tim Bernes-Lee, criou a World Wide Web, universalmente conhecida apenas pela sigla WWW. É esta invenção que possibilita a interação de milhões de páginas, na rede de computadores. Através delas circulam textos, imagens e sons, como as que compõem as mensagens que impulsionam as manifestações de rua contra as ameaças aos empregos, aos planos de saúde, e, até às moradias da classe média, criadas pela ganância incontrolada do sistema financeiro mundial.
Se tivesse patenteado em seu nome a invenção do WWW, Bernes-Lee poderia estar bilionário, reconheceu a Revista Veja, na sua edição especial sobre Tecnologia, em 2006. Ele, porém, não fez o patenteamento. Ao ser indagado pelo repórter de Veja, Alessandro Greco, se sentia arrependimento, Barnes-Lee respondeu: “Não. A web só decolou porque não estava vinculada a nenhum sistema proprietário, pelo qual as pessoas teriam de pagar para ter acesso”. O repórter perguntou ainda se ele achava que a disposição para o trabalho cooperativo – como o das comunidades hippies – iria se expandir na internet. Ele disse: “Acredito que sim. Desenhei a web para que fosse um espaço colaborativo. Esse é o espírito da coisa. O que está acontecendo mostra que as pessoas têm a necessidade de exercer a criatividade juntas”. Segundo Barnes-Lee, a WWW é uma criação social. “Não é um brinquedinho”, acrescentou.
Como se vê, o desprendimento dos hippies parece sobreviver, 50 anos depois, com mais força que o desprezo da classe média e os arroubos revolucionários dos jovens dos anos de 1960. Embora, fosse visto como ingênuo, na época.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP