Estadão

Os dilemas de uma psicanalista inspiram a peça Sra. Klein

Quem vê a montagem de <i>Sra. Klein</i>, peça do inglês Nicholas Wright que o argentino Victor Garcia Peralta apresenta no Teatro do Sesc 24 de Maio, pode confrontá-la com outras duas anteriores – uma delas do próprio Peralta em Buenos Aires, em 1990, e outra de Eduardo Tolentino de Araujo no Brasil, em 2003. A primeira delas, <i>La Señora Klein</i>, é uma concepção realista que foi agora abandonada pelo diretor na sua nova versão paulistana.

A segunda versão, <i>Melanie Klein</i>, comandada por Tolentino de Araujo e protagonizada por Nathalia Timberg em 2003, encantou a atriz Ana Beatriz Nogueira, que planejou abraçar o desafio assim que o futuro lhe desse maturidade para compreender melhor a controversa psicanalista austríaca.

Diante de tantas referências, Peralta recorreu a uma das falas da peça para conceber o novo espetáculo. "O psicanalista tem de ter uma tela vazia em que o paciente projeta suas neuroses", afirma, em certo momento, Melanie Klein (1882-1960), psicoterapeuta pós-freudiana que, entre suas teorias, pregou métodos de tratamento para crianças que poderiam ser usados desde o nascimento.

<b>NO PALCO</b>

A tela vazia, idealizada pelo diretor, é o fundo neutro do teatro, mas, no palco, aparecem 18 cadeiras, acomodadas em duas fileiras de nove, que vão sendo movidas por Ana Beatriz e as atrizes Natália Lage e Kika Kalache ao longo da montagem. "É um espaço que vai se desordenando, assim como Klein no decorrer da peça, e, aos poucos, o chão fica poluído com copos, xícaras, bolsas e papéis", justifica Peralta.

Melanie Klein, claro, é uma personagem real, mas a ação da peça de Wright imagina um dia na primavera londrina de 1934, o do funeral de Hans, filho dela que acaba de morrer em um acidente capaz de deixar suspeitas de suicídio.

Melitta (interpretada por Natália Lage) seguiu o caminho profissional da mãe e, como psicanalista, questiona seus métodos, inclusive a acusando de tê-la usado, e também seu irmão, como cobaias na infância. A morte de Hans detona o conflito entre as duas, abrindo espaço para um doloroso ajuste de contas.
OUTRO LADO. Um outro olhar sobre Klein é o de Paula (vivida por Kika Kalache), que também é psicanalista e funciona como mediadora entre a mestra que tanto admira e a amiga Melitta.

Nas duas décadas que separam a noite em que viu Nathalia Timberg como Melanie Klein e a de sua estreia no papel, Ana Beatriz confessa que leu e pesquisou tanto sobre a psicanalista que, nos dois meses de ensaio, se sentiu muda. Precisou eliminar o excesso de informações para compor a personagem e confessa que, pouco antes de subir ao palco, ainda não sabia se a tinha encontrado.

<b>CENA A CENA</b>

"Vou fazer cena a cena, apresentação a apresentação, e tenho certeza de que vou construir Klein ao longo da temporada porque a de uma sessão nunca vai ser igual à da outra", assume.

Peralta pondera, brincando, que a intérprete faz charme com essa insegurança e imagina que ela só saberá que tem a personagem nas mãos quando receber o retorno do público. "Klein era feita de momentos, uma montanha-russa de sentimentos. Então, se Ana Beatriz investiu na intuição, pode ter certeza de que ela emprega muita técnica nesse caminho", declara o diretor.

Ana Beatriz confessa que a descoberta paulatina de Melanie Klein tem a ver com uma ansiedade profunda que sempre a dominou e que, nos últimos tempos, precisou ignorar. Primeiramente, foi o baque da pandemia. Depois, em outubro de 2021, a artista perdeu o pai, o advogado Hamilton Nogueira, aos 88 anos, por causa de complicações de uma pneumonia.

Três meses depois, ela recebeu o diagnóstico de um câncer no pulmão em estágio inicial que, aliviado o choque, a impulsionou com mais intensidade. "Tive a bênção de não precisar fazer quimioterapia ou radioterapia e operei logo em seguida", conta ela, aos 56 anos. O retorno ao trabalho se deu para entrar na gravação dos capítulos iniciais da novela <i>Todas as Flores</i>, do Globoplay, pouco mais de dois meses da cirurgia. "Estava lá com 12 quilos a mais por causa da cortisona, mas certa de que o trabalho me fez andar mais rápido na recuperação."

<b>Sra. Klein
Teatro do Sesc 24 de Maio
Rua 24 de Maio, 109, República.
5ª a sáb., 20h,
Dom., 18h.
R$ 40. Até 23/7</b>

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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