Numa praça qualquer de Guarulhos, um grupo de operários aguarda a abertura do portão da obra para iniciar seus trabalhos diários. Sentado em um banco, a poucos metros deles, impossível não ouvir a conversa. Parece que um deles conhecia (ou conhece alguém que conhecia um conhecido) o sujeito que, em pleno batizado do filho, na manhã de domingo, atirou contra as cabeças da ex-mulher e do atual companheiro dela, tirando-lhes a vida, diante do sagrado altar de uma igreja católica.
– Precisa saber primeiro o que aconteceu. Ele não ia atirar na mulher dele assim por causa de nada! Ela deve ter aprontado alguma das boas – exclamou, quase que já defendendo a atitude do matador da igreja.
– Quando o outro mudou para a casa dela foi a gota d´água, complementou outro rapaz, que – de ouvir dizer pela imprensa – concluiu o motivo da tragédia.
Não continuei ouvindo a conversa, mas não é difícil entender que – para muita gente – a atitude ser desprovido de dignidade é compreensível. Sobretudo quando a roda junta homens, geralmente de origens simples, onde o machismo impera. Para essa gente, a mulher deve se submeter às ordens masculinas. Não importa se o casamento acabou, se ela apanhava do marido, se o sujeito não era um bom pai. Ao se casar e aceitar aquele sujeito como seu dono, precisava levar o “felizes para sempre” até o túmulo, mesmo que a vida da família fosse um inferno.
Não tenho condições nem propriedade para defender um ou outro. Não posso dizer se a mulher algum dia cometeu um deslize, se foi injusta ou infiel. Nem tampouco falar sobre o matador. Mas – acompanhando ao longe – tenho a convicção de que nada, absolutamente nada, mesmo que ela fosse o pior dos seres, o que não é plausível, justifica o duplo assassinato. Que não fosse na igreja, o que aumentou a comoção, e ocorresse em um quarto escondido, a tragédia seria a mesma. E injustificável.
Porém, não dá para deixar de lado uma realidade lamentável em que vivemos. Há uma sociedade machista em excesso, formada por trogloditas travestidos de seres humanos, que vivem a nossa volta. Para esses, há diferenças entre as raças, cores e sexos. Geralmente, são os mesmos que hostilizam gays, que atacam negros ou brancos, que menosprezam suas companheiras. Porém, não vivem sem elas. São daquele tipo que consideram a honra algo que existe no meio das próprias pernas. Que o cérebro pode ser chamado de célebro que não fará a mínima diferença.
É triste. Mas muitas outras tragédias continuarão ocorrendo dentro de nossas igrejas particulares. Muitos seres seguirão batendo e matando suas mulheres. Muitas esposas seguirão se sujeitando ao escárnio público ou privado em nome de uma pseudo submissão, digna de séculos passados. E as rodas de sujeitos por aí afora ainda buscarão justificar o injustificável.
Não. Não existem justificativas para a barbárie. Nem mesmo os animais, desprovidos de inteligência que são, seriam capazes de assassinar seus semelhantes. Não existe a gota d´água. Não existe paz.