Estadão

Peça troca atores por público para criticar a precarização

O Festival Internacional de Teatro de Rio Preto, realizado de 20 a 29 de julho, reuniu 27 mil espectadores para 30 espetáculos, entre produções brasileiras e três estrangeiras, vindas da Argentina, de Portugal e da Inglaterra. Em comum, as montagens do exterior propuseram diferentes formas de interação com o público e duas delas, a portuguesa Albano e a argentina <i>Efectos Especiales – FX</i>, puderam ser vistas na capital na semana passada. A mais radical delas, no entanto, a inglesa <i>Work.TXT</i>, criada e dirigida por Nathan Ellis, ganha a cena no Sesc Belenzinho neste fim de semana e levanta polêmicas por dispensar atores e convocar o público a interpretá-la.

Sim: não há qualquer profissional no elenco e muito menos robôs ou qualquer tipo de inteligência artificial, como foi visto na peça suíça Vale da Estranheza, exibida na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo de 2022. A provocação é ver o próprio público como protagonista das cenas. As falas podem ser lidas em um telão ou folhas de papel, recebidas na hora, ou escutadas em fones de ouvido.

A inusitada proposta tem como objetivo criticar a precarização nas relações de trabalho na sociedade atual. O diretor e dramaturgo Nathan Ellis, de 29 anos, no entanto, apressa-se em garantir que valoriza muito o trabalho dos atores, e a performance dos espectadores só reforça o quanto seria diferente um espetáculo feito por profissionais que dispõem de técnica e experiência.

"Claro que a automatização pode vir a tirar o mercado de muita gente, mas entre eles não estão atores e atrizes", justifica Ellis. "Tanto que essa performance só se realiza porque conta com a disponibilidade desses voluntários e a humanidade que eles emprestam aos personagens."

<b>Work</b>

TXT começou a ser preparado em 2019, logo depois que Ellis conheceu o livro <i>Trabalhos de Merda: Uma Teoria</i>, do antropólogo americano David Graeber (1961-2020). "Fiquei impactado com a ideia dele de que muitos empregos poderiam ser tomados pela tecnologia e a sociedade nem perceberia", diz o diretor. O espetáculo estreou em Londres em fevereiro do ano passado, e o Brasil é o sexto país a recebê-lo, depois de Inglaterra, Itália, Alemanha, Austrália e Holanda. "É uma experiência imersiva e sempre deixo claro que ninguém será obrigado a participar ou fazer algo que não tenha vontade", avisa Ellis.

A base da dramaturgia é simples. Uma pessoa, responsável por alimentar as mídias digitais de uma multinacional, se deita no chão do escritório e essa ação impacta vários outros personagens. Na sessão da sexta, 28, no Sesc Rio Preto, coube a Danilo Tupinambá, de 37 anos, representar o protagonista.

Ele, que trabalha como desenvolvedor de softwares, não sabia da proposta interativa quando comprou o ingresso, mas, sob o impulso da provocação, subiu ao palco na primeira cena. "Achei que seria algo rápido e transitório, tanto que, quando perguntaram o meu nome e pediram para soletrar, pensei até em inventar um outro", conta Tupinambá. O personagem, batizado de Danilo, é citado o tempo todo e, em diversos momentos, o voluntário precisa voltar ao palco. "Comecei a me envolver no jogo e me diverti. Não tive receio de que rolasse alguma proposta absurda ou desagradável."

O tatuador Mário Henrique Borges, de 20 anos, representou um dos colegas de escritório de Danilo. Borges ficou surpreso com o fato de não haver atores profissionais para orientá-los. "O texto é cru e quem deve dar a emoção é o ator, só que como ninguém ali é profissional tudo deve ser encarado com leveza e diversão", resume.

Quem pisou no tablado com um pouco mais de segurança foi a atriz Camila Cortês, de 22 anos, que interpretou a curadora de uma galeria de arte. "Foi diferente de apresentar uma peça que ensaiei e sei o que vai acontecer. Acho interessante colocar o público nesse lugar para ver como os artistas são insubstituíveis", afirma.

<b>EFÊMERO</b>

Tiago Rodrigues de Andrade, de 31 anos, que trabalha como gestor de experiência do cliente, dividiu a cena com Camila, na pele do atendente da galeria. A dupla demonstrou jogo de cintura ao perceber, logo no começo, que precisava trocar os personagens combinados segundos atrás por não terem se posicionado corretamente diante dos microfones indicados. Andrade ressalta, porém, que, mesmo sendo espectadores, os participantes de cada sessão podem ser considerados artistas naquele exercício efêmero. "A grande ideia do diretor é colocar você no comando dessa experiência, e a cena só se deu daquele jeito por causa daquela pessoa, então não deixa de ser uma manifestação artística", completa Andrade.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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