Em seu primeiro espetáculo, Dizer e Não Pedir Segredo (2010), o assunto homossexualidade, tema que permeia as criações do coletivo Teatro Kunyn, ficava restrito ao ambiente privado de uma sala de apartamento onde os atores encenavam a peça. No trabalho seguinte, que estreia na sexta-feira, 10, o grupo resolveu levar a experiência teatral para o espaço público, no emblemático Parque Trianon, na Avenida Paulista.
Orgia ou De Como os Corpos Podem Substituir as Ideias é inspirado no livro Orgia: Os Diários de Tulio Carella, Recife 1960 (Ópera Prima Editora), coletânea de registros das aventuras sexuais de Carella quando o dramaturgo e escritor argentino lecionava na Universidade Federal de Pernambuco. Confundido com um contrabandista de armas cubano pelas autoridades militares da nossa ditadura, Carella foi preso e torturado e, após descoberto o engano, ameaçado de ter seus escritos revelados se denunciasse os abusos.
A ideia de contar a passagem de Carella pela capital pernambucana surgiu durante a pesquisa para o espetáculo anterior, que era baseado no livro Devassos no Paraíso (Record), do escritor João Silvério Trevisan, um compêndio da história da homossexualidade no País desde a época das caravelas. O autor dedica parte de um dos capítulos aos encontros do argentino com outros homens em suas andanças pelas ruas e cais do Recife.
“Se você olha para a dramaturgia brasileira, historicamente, acho que tem dois lugares muito definidos para tratar da questão da homossexualidade: o viés da caricatura ou o viés da marginalidade. Então, a gente queria um outro lugar, discutir essa questão a partir de outras premissas”, comenta o ator Ronaldo Serruya sobre a proposta do Teatro Kunyn. Ele, Paulo Arcuri e Luiz Gustavo Jahjah interpretam Carella, cada um usando suas próprias referências pessoais e artísticas, sem a preocupação de encarnar a figura real do dramaturgo.
No primeiro ato, que ocorre na sede administrativa do parque, o público – apenas 21 pessoas – é apresentado ao personagem. Em seguida, a plateia fica à deriva pelo Trianon, vivenciando as caminhadas de Carella pelo Recife – experiência sensorial que se completa com a ajuda de aparelhos de MP3 reproduzindo relatos contidos nos diários. Dez atores, selecionados a partir de uma oficina do projeto, que foi contemplado pelo programa de fomento ao teatro da Prefeitura de São Paulo, se juntam à encenação.
Neste ponto, a montagem se mistura à própria dinâmica do Trianon, já que o equipamento público fica aberto a seus visitantes habituais. “Não preciso impor minha encenação a este lugar”, diz o diretor Luiz Fernando Marques, que também integra o Grupo XIX e está acostumado a cenários não-convencionais. “E isso de certa maneira é o que a gente está pedindo para a sociedade. Não estou impondo a minha sexualidade a você, eu estou dizendo que a gente pode conviver aqui juntos, não preciso sair para você entrar, nem vice-versa. Acho que tem um jogo cênico que no fundo é um jogo político.”
De volta a um ambiente fechado, a parte final de Orgia tem dramaturgia de Alexandre Dal Farra, da companhia Tablado de Arruar, um dos “provocadores” que estimularam o desenvolvimento criativo do espetáculo, assim como os atores Miwa Yanagizawa e Edgard Castro, que contribuíram, respectivamente, com os atos anteriores. Como é encenado ao ar livre, o espetáculo será cancelado caso chova no horário do início. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.