Por meio de um acordo assinado entre a Polícia Federal e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o Brasil tornou-se o oitavo país da América Latina e Caribe a aderir a rede Aircop. Financiado pela União Europeia, a Aircop é uma multiagência antitráfico cujo objetivo é reforçar o treinamento de agentes da lei na detecção, interdição e investigação em aeroportos internacionais.
No caso brasileiro, o acordo com a UNODC se dará de forma concreta com a assistência mútua entre a rede Aircop e o Programa Internacional de Cooperação Policial em Aeroportos (Intercops).
Criado pelo Departamento de Polícia Federal, o Intercops é um programa desenvolvido para facilitar o intercâmbio de experiência e informações na área de investigação criminal, imigração e segurança. O foco do programa brasileiro é a repressão ao tráfico de drogas e a atividades criminosas em aeroportos.
Na prática, o acordo que estreitará a relação entre o Aircop e o Intercops abre caminho para o Aeroporto Internacional de São Paulo (Guarulhos), o mais movimentado da América Latina com 39 milhões de passageiros em 2015, se ligar a bases de dados internacionais e a redes de comunicação fornecidas pela Interpol e pela Organização Mundial de Aduanas (OMA).
Com acesso a essas ferramentas, será possível a transmissão, em tempo real, de informações operacionais e de inteligência para outros aeroportos com objetivo de interceptar carregamentos ilícitos.
O Memorando de Entendimento foi assinado pelo diretor-geral da PF Leandro Daiello Coimbra e por Rafael Franzini Batlle, representante regional da UNODC para Brasil e Cone Sul. “O crime transnacional é um problema de todos e só há um caminho para combatê-lo que é a união de todos”, afirmou Daiello durante a cerimônia no prédio sede da PF, em Brasília.
Em entrevista ao Café com Justiça, o diretor-executivo da Polícia Federal, Rogério Galloro, explicou um pouco mais sobre o trabalho de cooperação internacional realizado pela PF.
Segundo o delegado, a PF vem se inserindo na comunidade internacional há muitos anos e possui o mesmo nível de ferramentas e material humano para combater os crimes transnacionais, por meio da cooperação internacional, igualando-se aos países mais desenvolvidos do mundo.
“O maior desafio é tentar antever, tentar antecipar, não só para evitar a ocorrência do crime, mas para tentar reprimi-lo no menos tempo possível”, afirmou o delegado Galloro.
Abaixo, a íntegra da entrevista com o diretor-executivo da Polícia Federal, Rogério Galloro.
Como está a Polícia Federal em relação aos órgãos similares nos outros países no quesito cooperação internacional?
A PF tem a Cooperação Internacional como um grande valor para nós. Porque hoje cerca de 70% dos crimes que investigamos tem impacto, tem consequências internacionais. A PF vem se inserindo na comunidade internacional há muitos anos, vem se fortalecendo. O Brasil é membro fundador da Interpol e se faz representar nessa instituição pela Polícia Federal. Nós também participamos da Ameripol, onde fomos fundadores e os primeiros presidentes, e acabamos de ser aceitos na Europol. Então, nós somos atores importantes nesse cenário internacional e somos bastante ativos. Ano passado nós batemos um recorde de prisões de estrangeiros procurados aqui no Brasil e todas nossas investigações com reflexo internacional, tanto em razão do produto do crime como das pessoas envolvidas, fazem movimentar essa nossa rede de cooperação internacional e os efeitos são magníficos. Somos ator importante na comunidade internacional e nos fazemos representar muito bem no exterior. E recebemos também policiais estrangeiros aqui num processo de integração muito eficaz.
Temos um arcabouço jurídico que dá sustentação para uma cooperação internacional eficiente?
O avanço é sempre bem vindo. A cooperação policial internacional, de certa forma, é uma coisa nova se analisarmos em um contexto histórico. Mas o Brasil está preparado, tem vários mecanismos jurídicos que nos permitem executar a cooperação e estamos também em um processo de evolução e modernização – a Justiça, a legislação e a Polícia Federal.
Quais são os maiores desafios na cooperação internacional contra o tráfico transnacional de drogas? O que significa o acordo assinado entre a PF e Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime?
Nós vivemos em uma região onde existe a produção de drogas e é uma produção grande. Para se ter uma ideia, o Aeroporto de Guarulhos, hoje, é onde mais se apreende cocaína no mundo todo. Por isso, criamos o programa Intercops e ele foi um grande sucesso. A presença de policiais no aeroporto sendo capacidade durante uma parte do dia e na outra parte efetuando o serviço a interdição de drogas. A questão das drogas é muito importante porque o caminho utilizado para transportar e traficar a droga é, muitas vezes, o mesmo caminho que se usa para traficar armas, pessoas e terroristas. O caminho é o mesmo e acaba sendo uma rota criminosa. Então se atacamos a droga, atacamos esses outros crimes. No momento em que nós transformamos esse nosso programa e ingressamos no Aircops, que é um programa da ONU para interdição de drogas em outros aeroportos do mundo, ganhamos uma abrangência internacional com chancela e apoio da ONU, Interpol e Comunidade Europeia. É nosso programa, o Intercops, extremamente bem sucedido, se expandindo para outros países.
Como funciona o Intercops?
É tentar combater o crime organizado dentro do aeroporto, utilizando das rotas internacionais. Você tem o combate ao tráfico de drogas, ao terrorismo, contrabando, lavagem de dinheiro e tudo aquilo que acontece dentro do aeroporto tendo a viagem internacional como objeto. Nós convidamos até 10 policiais de alguns países e eles vem, nós financiamos a vinda e permanência deles aqui, são policiais com relação com ações de combate ao crime, e ministramos aulas no período da manhã ou da tarde com professores estrangeiros e brasileiros. No período complementar eles atuam com nossos policiais no aeroporto. isso traz o conhecimento da realidade deles para nosso aeroporto e nós passamos essa experiência típica do aeroporto de Guarulhos. tem sido um grande sucesso, hoje os países nos acionam e pedem para serem inserido nos próximos programas, já temos mais de 70 países.
Isso mostra que é impossível combater crime de forma isolada?
Não tenho dúvida. Como eu disse, 75% dos crimes que a PF apura têm reflexos internacionais.
No quesito cooperação internacional em matéria de crime financeiro, a PF consegue ter as mesmas condições e instrumentos que os países mais desenvolvidos?
A Lava Jato só trouxe à tona uma atividade da Polícia Federal que já é antiga: a cooperação internacional para crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A PF tem as mesmas condições que as outras polícias do mundo. E os mecanismos de cooperação, a presença nossa no exterior, por meios dos adidos e oficiais de ligação, nos países mais importantes nesse processo de repressão ao crime nos colocam nas mesmas condições dos grandes países do mundo. Com as mesmas condições técnicas, de capacitação profissional e tecnológica.
E qual a principal diferença entre a cooperação internacional no caso de tráfico transnacional e em matéria de crime financeiro?
O que muda, na verdade, é o objeto que se está procurando. O work flow que se segue do tráfico de drogas é diferente do crime financeiro. O que muda também no exterior é que algumas agências são responsáveis só por repressão a drogas e outras só contra crimes financeiros. No Brasil, coincidentemente, e de forma benéfica, isso é feito pela PF. Essa concentração nos permite capacitar para toda essa repressão de maneira única. Há essa diferença considerando esse fluxo origem – destino e forma como objeto vai ao exterior – e a questão das agências.
Quais são os desafios pela frente?
Nosso grande desafio é tentar antever as ações criminosas. No momento em que detectamos os fluxos e o modus operandi temos todas as condições para reprimir. O volume da atuação criminosa no mundo é muito grande e de uma criatividade enorme. O crime não tem barreiras legais e financeiras que nós temos. O maior desafio é tentar antever, tentar antecipar, não só para evitar a ocorrência do crime, mas para tentar reprimi-lo no menos tempo possível.