A lei federal que determina o pagamento de um piso salarial para professores não é cumprida em 252 das 645 prefeituras paulistas – ou 39% das cidades do Estado. As informações são de um levantamento inédito feito pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a que o Estadão teve acesso com exclusividade. Prefeitos, principalmente de cidades pequenas, alegam dificuldades financeiras para arcar com os salários dos professores, que sobem anualmente acima da inflação desde 2009, quando começou a vigorar a lei do piso.
O comprometimento das contas públicas deve se agravar no ano que vem a partir de uma portaria divulgada pelo Ministério da Educação no fim de novembro, estabelecendo a redução de 8% no custo/aluno, parâmetro que norteia o repasse do governo federal para os municípios. O cenário também será pior para os professores, com o congelamento do valor do piso que, pela primeira vez em mais de uma década, não será reajustado em janeiro. Entidades em defesa da educação, sindicatos e gestores públicos avaliam medidas judiciais e pressionam o governo federal para reverter a portaria.
A situação é mais complicada nos municípios menores, que dependem mais dos recursos federais. Os dados do TCE-SP indicam que mais da metade das prefeituras paulistas que não pagam o piso tem menos de 20 mil habitantes. À medida que a quantidade de moradores vai aumentando, a dependência dos recursos federais cai e isso impacta diretamente nos gastos com educação.
<b>Obrigações</b>
Obrigados a atender a uma série de regras, sem extrapolar o limite de gastos com pessoal e com pouco dinheiro em caixa, os prefeitos que vão assumir em 2021 estão encurralados, na visão de Frederico Guidoni, vice-presidente da Associação Paulista dos Municípios (APM). "Os prefeitos não são contra o piso salarial e querem pagar bem os professores, mas lamentam que a obrigação vem de cima para baixo, sem uma contrapartida do governo federal."
A reclamação está relacionada ao estrangulamento das despesas públicas, pressionadas pelo aumento real de salário dos professores. Quando passou a vigorar, em 2009, o piso foi fixado em R$ 950 para uma jornada de 40 horas semanais. De lá para cá, o valor foi reajustado, ano a ano, e hoje é R$ 2.886,24. Significa que, ao longo de 11 anos, aumentou 203%, mais do que os 124% da elevação do salário mínimo geral e superior aos 84% da inflação acumulada no período, considerando o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA).
O presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, defende o aumento real do poder aquisitivo para os professores como forma de valorização da categoria e, por consequência, da qualidade de ensino. A baixa remuneração, diz, tem afastado muitas pessoas da profissão, num processo que já dura décadas e leva muito tempo para ser revertido. Para Garcia, basta ter vontade política. "É possível equilibrar (as contas) e fazer ajustes em outras áreas", disse.
Quem também concorda que se trata de vontade política é Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e deputada estadual pelo PT. "A gente vê muitas profissões que não exigem curso superior e tanto tempo de dedicação ganhando mais", disse. A Apeoesp questiona na Justiça o pagamento abaixo do mínimo legal por ao menos dez prefeituras. Em muitas cidades, diz Bebel, o piso é também o teto – ou seja, não há evolução na carreira e a remuneração fica estagnada.
<b>Repasses</b>
As dificuldades financeiras das prefeituras tendem a se agravar ano que vem, inclusive para aquelas que cumpriam a lei sobre a remuneração mínima. O repasse federal para os municípios vai cair 8%, segundo portaria do Ministério da Educação do mês passado. Como a estimativa de receita usada para calcular o repasse no início do ano não se confirmou, algumas cidades terão de devolver dinheiro para a União.
Em média, o custo/aluno passará de R$ 3,6 mil ao ano para R$ 3,3 mil. Mesmo com o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que em 2021 prevê complementação de 2% para cidades deficitárias, as contas não devem fechar. "A folha de pagamento não vai diminuir, mas a receita vai despencar", disse Garcia, presidente da Undime.
Assim como a Undime, outras entidades da área estão pressionando o governo para reverter a decisão, mas Garcia não está otimista. A medida foi baseada em dados da movimentação econômica, muito afetada pelas restrições causadas pela covid-19.
Guidoni, vice-presidente da APM, recomenda que os prefeitos que vão assumir em janeiro, e mesmo os 119 que estarão no segundo mandato, "apertem os cintos". Segundo ele, muitos chefes do Executivo municipal já assumirão com receita menor que a despesa na área de educação.
Algumas prefeituras já enfrentam problemas relacionados ao Fundeb em 2020. É o caso de Blumenau (SC), que teria de devolver, segundo Garcia, R$ 11 milhões aos cofres federais. O dirigente explica que o valor destinado aos municípios é calculado, no início do ano, com base em estimativas de receitas e que, em função da crise econômica, a arrecadação federal foi bem menor. Sud Mennucci, cidade de 7,7 mil habitantes no noroeste de São Paulo, onde Garcia é secretário de Educação, terá de ressarcir a União em R$ 200 mil. Uma forma de parcelamento está sendo avaliada para dar um fôlego às prefeituras que terão de devolver recursos.
Sem previsão de compensação federal, os prefeitos serão desobrigados de aumentar o piso salarial dos professores, anualmente reajustado em janeiro e que tinha previsão de subir 5,9%. Entidades sindicais avaliam ir à Justiça para impedir o reajuste zero.
O Ministério da Educação foi procurado para se posicionar sobre a portaria que reduz o valor do repasse aos municípios e sobre o congelamento do piso dos professores, mas não se manifestou até a conclusão desta edição.
<b>Falta de informação</b>
Os números do TCE-SP foram coletados em um questionário aplicado às prefeituras e validado por fiscais. O levantamento foi feito com base nos valores pagos em 2019, para os anos iniciais do ensino fundamental, considerando a jornada de 40 horas semanais de trabalho – pela lei, em caso de carga horária menor, o valor deve ser proporcional.
O Estadão tentou dados de 2020 sobre o piso dos professores em cada cidade paulista, fazendo pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas apenas 32% das prefeituras encaminharam respostas, ainda que parciais, como revelou reportagem publicada em novembro. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>