Uma noite encerrada por Iggy Pop, padrinho do punk e messias do rock de garagem. A outra, por Belle and Sebastian, banda que esconde a melancolia com toneladas de fofura. Duas forças opostas mostraram suas armas nas noites de sexta, 16, e sábado, 17, respectivamente, como as principais atrações da terceira edição do Popload Festival, evento que se mostra cada vez mais estabelecido no cenário brasileiro de shows de bandas independentes e médio porte.
Por mais que não tenha sido uma batalha anunciada, a comparação entre as duas noites é inevitável. Se Iggy Pop é ícone, peça fundamental do quebra-cabeças do rock contemporâneo, sua noite não foi aquela que mais encheu o Audio Club, visivelmente falando.
Talvez a razão disso tenha sido o seu nome anunciado já muito depois do restante do line-up. Talvez seja a escalação que reuniu Iggy e Emicida, duas ótimas atrações, mas que pouco dialogam entre si – à princípio, diga-se, pois quem assistiu Emicida conseguiu entender que a postura combativa de ambos promove uma linha que costura as duas performances.
O fato é que uma apresentação de Iggy Pop não pega pelos ouvidos, pelo capricho sonoro. Ela atinge o âmago, algum ponto ali no centro do peito e é simplesmente sentida. Suor, angústia, raiva, devoção. Aquele senhor de 68 anos ainda dança como um rapaz de menos da metade desta idade.
Clássicos do Stooges e da carreira solo dele, principalmente dos anos 1970, são uma aula magna de rock. O seu disco preferido de rock lançado nos últimos 15 anos só existe porque Iggy e sua banda passou por esse planeta. Assisti-lo em um palco pequeno, tão próximo, é algo único. Histórico por si só.
O sábado, por sua vez, transformou a casa de shows num templo da fofura, só distorcida pelo Cidadão Instigado, banda cearense que assumiu as guitarras e executou o novo álbum, um dos melhores de 2015, quase na íntegra. Encabeçado pelo Belle and Sebastian, o dia contou ainda com a presença da norte-americana Spoon.
O grupo se reinventou demais no novo trabalho, They Want My Soul, ao unir os efeitos de teclado e guitarra à cativante e deliciosamente rouca voz de Britt Daniel. Há cantos obscuros nas canções do Spoon, dores e desamores, desilusões, lágrimas, mas nada é escondido. Pelo contrário, Daniel coloca tudo para fora com força, como se tudo isso lhe causasse dor ao deixar o seu corpo, ao passar pelas suas cordas vocais.
É o oposto do bailão da fofura proposto pelo Belle Sebastian, grupo escolhido para encerrar a segunda e última noite de Popload Festival. São quase 30 anos de carreira e uma empolgada base de fãs no Brasil. O setlist abocanhou do primeiro ao último álbum, do clássico Tigermilk (1996) ao irregular Girls in Peacitime Want To Dance (2015), reunindo canções capazes de emanar uma espécie de “gás de leveza instantânea”.
Difícil não ser capturado pela energia do B&S, sentir um calor no coração e se entregar a essa atmosfera. A melancolia de alguns versos pode chegar arrebatadora, uma hora ou outra, mas logo é levada embora. A fofura, por fim, ganha a batalha. Ainda que, no saldo geral, a selvageria de Iggy Pop ainda seja superior.