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População e empresas precisam rever consumo de água, dizem especialistas

Racionalizar o consumo, dar melhor gestão aos recursos e buscar as inovações tecnológicas. Essas são algumas das propostas trazidas por especialistas em recursos hídricos para garantir a segurança hídrica do Brasil nos próximos anos, em encontro organizado pelo jornal O Estado de S. Paulo e patrocinado pela Ambev nesta terça-feira, 13.

O primeiro painel do evento Fóruns Estadão Sustentabilidade, cujo foco foi o tema “Como Salvar Nossas Reservas”, teve como palestrantes o diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, o biólogo e gerente nacional de água da The Nature Conservancy Brasil (TNC-Brasil), Samuel Barreto, a coordenadora da rede de águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, e a coordenadora da Aliança Pela Água, Marussia Whately.

Para Andreu, os dados de consumo mostram que é necessário mudar o uso da água no País. Ele lembrou, por exemplo, que São Paulo tinha 72 metros cúbicos de consumo geral para atender 20 milhões de habitantes e, no período da crise hídrica, chegou a 52 metros cúbicos. “A média na região metropolitana é de 320 litros/habitante por dia. É possível perseverar nesse tipo de consumo?”

A mudança, disse, deve ser tomada não só pelo consumidor usual, mas pelas empresas, que precisam atentar para a importância do consumo responsável, sem criminalizar nenhum setor.

“Há uma tendência de que, em situações de crise, imagina-se que cortar (água) da agricultura resolveria o problema, já que 70% do consumo vem da agricultura. Ou da indústria, que tem 12% do consumo. Mas aí as pessoas não terão alimentos, empregos, haverá crise econÔmica”, afirmou Andreu. “É preciso ter um olhar sobre o uso múltiplo da água como uma questão séria.”

Já Barreto ressaltou que o Brasil ainda faz uma gestão dos recursos hídricos “romana”. “Exporta, transporta, usa e descarta. Até o resíduo sólido tem um modelo mais inteligente, de reciclagem. Usamos um modelo de mais de mil anos atrás”, disse.

O especialista trouxe dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento e Econômico (OCDE) que mostram aumento na demanda de uso de água no mundo até 2050, de 53,4%. Já para os países dos Brics, o aumento projetado é de 78,6%.

“Quando olhamos a média global, parece que o Brasil está em uma posição confortável de disponibilidade hídrica. Mas quando colocamos lupa adequada, a situação não é assim. A água não está distribuída de forma equivalente à população e só parte é boa para o consumo”, destacou.

O biólogo lembrou que relatórios recentes do Fórum Econômico Mundial trazem a crise hídrica como um dos principais riscos globais, “mesmo acima do terrorismo e da crise do petróleo. “É uma mudança na agenda hídrica do mundo inteiro.”

Ele destacou ainda a importância do tema para a reputação das empresas. “Os prejuízos relacionados à água estão acontecendo cada vez mais nas empresas, como em São Paulo”, disse Barreto.

Para ele, é fundamental que os mananciais sejam preservados, para além dos projetos de buscar água em bacias cada vez mais distantes. “É preciso virar essa chave de buscar a água, transportar, usar e descartar.”

A falta de cuidado com os mananciais também foi alvo de crítica da coordenadora da rede de águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro. “Nos grandes centros urbanos, chamamos as áreas de manancial, que deviam ser os cinturões verdes de segurança climática da nossa cidade, de periferia”, declarou.

“Mandamos, há décadas, para essas ocupações, a população que mora em áreas de risco, irregulares e que, pela regulação, não têm acesso ao saneamento básico. Temos mais de 2 milhões de pessoas nessas áreas, excluídas do direito humano de acesso ao saneamento.”

Conscientização

Malu ressaltou também a importância da preservação dos recursos hídricos como eixo central da administração pública. “Se você quer saber da saúde de uma cidade, seu comportamento e civilidade, olhe para os rios. Aí perceberá quão doente essa sociedade está”, disse. “Nós crescemos em uma cultura de abundância, e essa falsa ideia, com o mau uso, fez com que chegássemos a essa realidade de hoje.”

De acordo com Malu, a água não entrou na agenda política brasileira e sequer foi tema nas eleições de 2014, no auge da crise hídrica no Estado de São Paulo. “Perdemos a nossa memória, nossa relação com os rios. Falar hoje para o jovem que mora em cidade urbana sobre defender a gestão da água não mobiliza tanto quanto o dia em que o (aplicativo de mensagens) WhatsApp foi suspenso por uma decisão judicial”, criticou.

Ela destacou o caso da Samarco em Mariana, em Minas Gerais, como um dos episódios em que o descaso na gestão levou a um desastre ambiental.

Para Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água – articulação da sociedade civil criada em outubro de 2014 para enfrentamento da crise hídrica em São Paulo -, o problema da água precisa ser combatido em diversas frentes: cuidar das fontes de água, reduzir consumo e desperdício (doméstico e industrial), ter maior transparência e controle social sobre os dados de gestão e tratar e reutilizar.

“Ainda estamos em um estágio primário em que a gente polui a água que vai beber. É necessário um salto civilizatório. É fundamental que o Brasil produza rapidamente um debate sobre lições aprendidas em relação às crises hídricas”, disse Marussia.

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