Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes é relator, no Supremo Tribunal Federal (STF), onde também é ministro, de um recurso extraordinário – o RE 1012350, de Mato Grosso do Sul – em que um dos advogados da parte reclamante é o ministro substituto do TSE Admar Gonzaga Neto. Ele encabeça a lista tríplice da qual o presidente Michel Temer escolherá o substituto do ministro Henrique Neves, que sairá do TSE em 5 de abril.
Se for o escolhido como ministro titular, Gonzaga Neto poderá participar do julgamento do processo que decidirá sobre a cassação ou não da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, eleita em 2014, sob a relatoria do ministro Herman Benjamin.
Além de colega de Gilmar Mendes na corte eleitoral, Gonzaga Neto é também professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que pertence majoritariamente ao presidente do TSE.
A assessoria de imprensa do TSE, informou, em nome de Gilmar Mendes, que o caso não se enquadra nas hipóteses de suspeição ou impedimento.
“Não vejo problema em que o ministro Gilmar seja o relator, não há nada que imponha a suspeição”, disse Gonzaga Neto ao jornal O Estado de S.Paulo. “Não estou impedido de exercer a advocacia, à exceção da área eleitoral, e tenho outros processos com outros ministros da Corte, dentro da normalidade”, acrescentou. Sobre ser professor do IDP, disse: “Sou mais um entre outros ministros que dão aulas lá. Fui convidado pela direção, por ser especialista em Direito Eleitoral”.
O ministro atende, como advogado, no escritório A. Gonzaga Advogados, em Brasília. A assessoria de imprensa do escritório enviou nota ao jornal O Estado de S.Paulo, esclarecendo, por iniciativa própria, que Gonzaga Neto, “em toda a sua trajetória, sempre se pautou pela lisura de seus atos e jamais confundiu o público com o privado”.
O caso
O RE 1012350 faz parte de um caso que se arrasta há quase 15 anos na Justiça de Mato Grosso do Sul: o fazendeiro Romeu Pires e o cirurgião plástico José Hermílio Curado, que tem a pecuária como segunda atividade, disputam judicialmente quem descumpriu a lei em contratos de parceria agrícola. Pires quer uma indenização, hoje estimada em R$ 12 milhões. Condenado a pagá-la, com sentenças já em fase de execução judicial, Curado as vem contestando.
Gonzaga Neto, ministro substituto do TSE desde junho de 2013 – indicado pela então presidente Dilma Rousseff -, é um dos advogados de Curado. Entrou na causa, a convite do advogado local do caso, Paulo Tadeu Haendchen, quando o recurso chegou nas instâncias superiores. Primeiro no STJ, com recurso especial, em agosto de 2015. Como este recurso não foi aceito, entraram com o RE 1012350 no STF, protocolado em novembro do ano passado.
O termo de recebimento e autuação do recurso, disponível no portal do STF, mostra que foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes no dia 4 de janeiro deste ano. Um mês e cinco dias depois, em 9 de fevereiro, Gilmar determinou que os autos fossem devolvidos ao tribunal de origem, no caso o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. “O caso foi decidido rápido porque tem repercussão geral (coincide com outros casos já resolvidos), e é simples e infraconstitucional”, explicou em e-mail a assessoria de Gilmar Mendes.
Segundo a decisão de Gilmar, igualmente disponível no site do STF, o TJ-MS deve observar o disposto no artigo 1.036 do novo Código de Processo Civil. Ele determina, para casos de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão, que o presidente ou o vice-presidente dos TJs (e dos tribunais regionais federais, TRFs) selecionem os recursos mais representativos da controvérsia, e então os reenviem aos tribunais superiores (STF e STJ).
De acordo com a assessoria do TSE, o ministro Gilmar Mendes considera que “a decisão é desfavorável ao recorrente (o contratante de Admar Gonzaga Neto), porque a decisão recorrida será, em princípio, mantida na origem”.
Categoria
O ministro Admar Gonzaga Neto representa, no TSE, a categoria dos advogados, que tem dois representantes titulares e dois substitutos, sua condição no momento. A estes – que recebem jetom por sessão, e não salário de ministros -, a lei permite que advoguem, à exceção das cortes eleitorais. Todos o fazem, e também Gonzaga Neto.
A prerrogativa já foi questionada no Supremo – pelo potencial tráfico de influência que propicia -, mas mantida como constitucional. O ministro Dias Toffoli, quando na presidência do TSE, manifestou-se contrário, sugerindo que não mais pudessem advogar enquanto ministros, e passassem a receber o mesmo salário dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na época em que Toffoli apresentou a proposta no STF – para incluí-la no Estatuto de Magistratura, que segue em interminável discussão – o ministro Edson Fachin, hoje relator da Lava Jato, considerou-a uma “medida saneadora”.
Mudança. Também a vê dessa forma o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), autor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 70/2015) que proíbe os ministros-advogados de exercerem a advocacia enquanto estiverem na corte. A PEC está na fila da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.
Anastasia já disse, em entrevistas, que sua proposta pretende corrigir um “grave equívoco”. Com as regras de hoje pode ocorrer, por exemplo, como explicou, de um juiz patrocinar causas que tenham como julgadores seus próprios pares da Justiça Eleitoral. Enquanto a regra não muda, os ministros-advogados, ou advogados-ministros, seguem com os escritórios abertos.
Advogado tem outras ações em andamento no STF
Admar Gonzaga Neto advoga em outras ações. Para citar apenas casos em andamento (2016/2017), é advogado da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), contra o município de Volta Redonda (RJ), no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 900362; e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1626, em que aparece como advogado do Partido Progressista Brasileiro (PPB). “Já me afastei deste caso”, disse. Mas segue constando como advogado no site do STF. O ministro já foi advogado do PSDB (na campanha de FHC à reeleição) e do Democratas.
O PT também entrou na vida de Gonzaga Neto, quando advogou para a campanha de Dilma Rousseff, em 2010, defendendo-a no TSE. Se Temer o escolher, exercerá seu primeiro mandato de ministro titular – quando, então, não mais poderá advogar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.