A falta de cuidado e de segurança para com os trabalhadores tem pesado bastante no bolso de muitas empresas. A Advocacia Geral da União (AGU) está intensificando as ações para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) seja ressarcido pelos gastos com benefícios pagos a vítimas de acidentes de trabalho provocado por negligências empresariais. São as chamadas ações regressivas do INSS.
Nos últimos cinco anos, o número de ações regressivas ajuizadas pela AGU saltou 153% em comparação aos cinco anos anteriores. Entre 2010 e 2014 foram abertos 2.300 processos, média de 460 por ano, ante aos 909 processos abertos entre os anos de 2005 e 2009, com média anual de 181 ações. Na soma, os valores de ressarcimento de todas as ações se aproxima de R$ 1 bilhão.
O procurador federal Nícolas Francesco Calheiros de Lima, da Coordenadoria de Cobrança e Recuperação de Crédito da Procuradoria-Geral Federal, explica que três fatores foram fundamentais para o crescimento do número desse tipo de ações. “O aumento da mão de obra para trabalhar nesses casos, com a nomeação de quase mil novos procuradores federais, a partir de 2007; a decisão da própria Procuradoria de considerar as ações regressivas prioritárias; e o reconhecimento cada vez maior dos tribunais do país do direito que o INSS tem de ser ressarcido por gastos que só teve devido às negligências dos empregadores”, diz.
Os casos chegam para as unidades da procuradoria por meio de parceria com o Ministério do Trabalho e com a Justiça do Trabalho. Ao tomar ciência de casos de acidente de trabalho, a unidade abre um processo de investigação, onde se verifica a culpa ou dolo do empregador no fato gerador do afastamento do trabalhador. Na constatação, são abertas as ações regressivas, que correm pela via judicial. Do número total de pedidos de ressarcimento, cerca de 70% foram acatados pela Justiça.
Negligências
O advogado Miguel Horvath Jr, doutor em Direito Previdenciário e membro da AGU, esclarece que o não cumprimento das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, como ausência ou não observação do uso adequado de equipamentos de proteção individual, é um dos grandes causadores das ações regressivas.
“A permissão de uso de equipamentos com adaptações não homologados; a falta de manutenção periódica do equipamento de produção; a falta de treinamento e capacitação periódica e exposição do trabalhador ao risco, potencializando-o em face de jornadas excessivamente longas, são outras causas que motivam o ajuizamento desse tipo de ação”, diz.
Noa Piatã Bassfeld Gnata, professor de Direito Previdenciário e mestre e pesquisador em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, ressalta que “ainda que o empregador cumpra todas as normas de segurança, higiene e proteção do trabalho, caso falte com os registros efetivos dessas rotinas, ele dará ensejo ao direito de regresso, ou seja, à responsabilização da empresa, que pode ficar obrigada a indenizar a Previdência”.
O fato de a empresa recolher o Seguro de Acidente de Trabalho também não retira o encargo do empregador. “O recolhimento não exclui a obrigação do empregador de cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho”, afirma o advogado João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin Sociedade de Advogados.
Ele destaca que se houver prestação social concedida pelo INSS ao segurado vítima de acidente de trabalho ou aos seus dependentes, como pensão por morte e aposentadoria por invalidez, entre outros benefícios, a Procuradoria-Geral Federal, assim que ciente, instaura procedimento para investigar o acidente e preparar a ação regressiva, visando o reembolso de todo o recurso aplicado no caso.
Efeito pedagógico
Além de garantir a recuperação de recursos para o INSS, as ações regressivas têm caráter educativo. Na visão do procurador federal Nícolas Calheiros de Lima, “essas ações possuem importante função pedagógica, uma vez que contribuem para conscientizar as empresas sobre a importância de se observar as normas de segurança no trabalho”.
Os especialistas do Direito fazem coro ao procurador. Para o advogado João Badari, “o ajuizamento dessas ações visam coibir, inclusive de forma preventiva, a violação de normas de segurança do trabalho pelas empresas, afrontando o direito fundamental à saúde, inclusive no ambiente laboral”.
O membro da AGU, Miguel Horvath Jr, concorda e também destaca que “embora sejam instrumentos jurídicos, as ações regressivas visam criar uma cultura de efetivação de proteção do trabalhador no meio ambiente de sua atividade”, diz.
Recurso e acordo
Como toda ação movida na Justiça, a regressiva também garante ampla defesa à empresa acionada. Marco Aurélio Serau Jr, professor em Direito Previdenciário e colaborador do Portal Previdência Total, explica que “por correr pela via judicial, especificamente na Justiça Federal, as empresas podem se valer de todos os recursos judiciais possíveis, sempre observado o devido processo legal”.
De acordo com o advogado Noa Piatã Gnata, a caracterização de acidente de trabalho ou da doença ocupacional deve ser verificada concretamente, já que a presunção de que a causa do afastamento do trabalhador tem nexo com o trabalho realizado na empresa é relativa. “As circunstâncias concretas podem indicar fatores externos como rotina doméstica, esportiva ou sedentária, por exemplo, que tenham contribuído diretamente para o acidente de trabalho”.
Diante do reconhecimento da empresa pela geração do acidente do trabalho, a AGU permite a realização de acordos de indenização. “É uma estratégia adotada como forma de se agilizar o repasse do dinheiro para o INSS e, ao mesmo tempo, desafogar os tribunais”, afirma Lima.
Para Serau Jr, “a vantagem também se dá para o lado da empresa que, eventualmente, pode conseguir reduzir custos com a realização de acordo”.
Precauções
A maior importância das ações regressivas diz respeito à redução dos riscos de acidentes. Para o procurador federal, “seria importante mudar radicalmente a visão de como os empregadores veem seus trabalhadores; é preciso ter uma visão mais cidadã para com eles. Essa cultura demora a ser implementada. Até lá, há que saber que a negligência custa caro. Pesa no bolso deixar de investir em segurança”, destaca.
Para auxiliar nessa mudança de conduta e na tarefa de melhorar o ambiente laboral, os especialistas em Direito do Trabalho e Previdenciário dão algumas orientações:
– Obedeça todas as normas regulamentadoras de segurança e saúde do trabalho;
– Identifique os aspectos do trabalho que podem causar danos, bem como os trabalhadores possivelmente expostos a esses riscos;
– Identifique todas as medidas possíveis para eliminar ou controlar os riscos existentes;
– Faça regularmente o trabalho de avaliação de riscos para assegurar sua permanente atualização;
– Procure se manter informado acerca das eventuais atualizações das normas.
Mais informações www.previdenciatotal.com.br
Ações regressivas também para violência doméstica e crimes de trânsito
Além do ressarcimento em casos de afastamento por acidente do trabalho, a AGU também tem representado o INSS em ações regressivas em casos de violência doméstica e de crimes de trânsito. O objetivo é o mesmo: ressarcir os cofres do INSS e educar cidadãos que praticam atos ilícitos.
No caso das ações envolvendo violência doméstica, a ação pede o reembolso dos gastos que o INSS teve com benefícios pagos a mulheres e dependentes que tiveram que se afastar do trabalho em consequência de agressões dos parceiros, muitas das quais resultam em mortes.
Nas ações regressivas em crimes de trânsito, o ressarcimento para o INSS pelo pagamento de benefícios à vítima de uma colisão é cobrado do motorista que provocou o acidente ao desrespeitar as normas do Código de Trânsito Brasileiro.
“Em ambos os casos, a intenção é reduzir esses riscos sociais, assim como esperamos reduzir os riscos no ambiente de trabalho, protegendo e conscientizando os cidadãos”, conclui o procurador federal.