Mundo das Palavras

Primeiros contadores de histórias

Uma interessante explicação de como surgiram os primeiros produtores de histórias orais, dentro da História da Cultura Universal, é oferecida por Walter Benjamin, no ensaio “O narrador”.   O surgimento das narrativas, com seus elementos típicos, como personagens, planos de tempo e espaço e outros, dotados de imensa capacidade de prender a atenção dos ouvintes e leitores, se liga, segundo o filósofo e crítico alemão a dois tipos arcaicos.


O primeiro seria o lavrador sedentário. Por viver enraizado no âmbito de sua vida doméstica, sobrevivendo honestamente de seu trabalho, ele, diz Benjamim, se tornaria um conhecedor das tradições de sua terra. E, acumularia conhecimento de suas histórias, as quais transmitia oralmente a quem se aproximava dele. 


O segundo seria um tipo oposto. Enquanto o lavrador estava ele próprio plantado no seu torrão natal, o marinheiro mercante viajava, chegava de terras distantes. E, por isto, também, tinha sempre o que contar.


Só quem for capaz de levar em conta estes dois tipos humanos poderá compreender a plena materialidade da figura do narrador, diz Benjamin. Há muito tempo, os dois tipos são representados por grupos de narradores anônimos cujas histórias se cruzam de diversas maneiras. Mantendo vivo o interesse pela estrutura de texto com a qual podemos mostrar as transformações sofridas por determinada personagem numa sucessão de diversos planos de tempo e de espaço. E num entrecruzamento deles.


Grandes escritores, afirma Benjamin, são aqueles cujos textos se parecem com os discursos dos inúmeros narradores anônimos. Muitos deles profundamente fincados na Cultura Brasileira, aliás. Como o poeta de cordel e suas histórias de princesas, cangaceiros e beatos. O caboclo amazônida e suas histórias de botos e encantamentos. O pantaneiro e suas histórias de assombrações. O gaúcho e suas histórias de valentia nos pampas.


A fonte onde todos estes narradores beberam, assegura o filósofo alemão, é a experiência humana transmitida oralmente.


Num momento posterior da evolução da cultura, Benjamin insere o aparecimento do romancista, um narrador diferente dos dois tipos arcaicos – o lavrador e o marinheiro. Esta diferença foi criada com a invenção da imprensa. O romancista pôde fazer circular suas narrativas, sem depender do convívio com os consumidores delas, como ocorria com o lavrador e marinheiro mercante. Mergulhado em solidão, ele criou suas narrativas, livre da dependência  exclusiva da experiência pessoal.


Mas, estas narrativas, assim, como as demais, antigas, que vinham de terras distantes e da tradição, seriam ameaçadas, mais tarde, pelas produções jornalísticas, prossegue Benjamin.  O Jornalismo impôs o hábito do consumo da informação que pode ser comprovada. 


Por isto, é cada vez mais raro o encontro com pessoas que saibam narrar bem alguma coisa, diz ele, com razão. E, igualmente, com certo pessimismo, compreensível em quem morreu nas vésperas da Segunda Guerra Mundial.


De fato, os bons narradores rarearam. Porém, não há como desconhecer a permanência do encanto com a estrutura de texto narrativo sentido pela maioria das pessoas. Algo manifestado através do consumo amplo e incessante de filmes, romances, novelas, histórias em quadrinhos, e, desenhos animados, nos quais ele está presente.


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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