Era para ser o momento de inauguração de uma nova Fifa, com regras e transparência. Mas a coletiva de imprensa para anunciar as mudanças na entidade se transformou nesta quinta-feira, em Zurique, em um tiroteio entre a imprensa e os cartolas, visivelmente constrangidos.
Apesar das prisões contra os dirigentes do futebol realizadas na manhã desta quinta-feira, a Fifa foi adiante com seus planos de reformas, as maiores em 111 anos de história. Um acordo entre dirigentes permitiu a criação de uma nova constituição para a Fifa que, abalada por prisões e fuga dos patrocinadores, registrou o primeiro déficit em 14 anos, com um buraco de US$ 103 milhões em 2015.
O discurso era de otimismo. “A situação faz a reforma ser ainda mais urgente”, disse Issa Hayatou, presidente interino da Fifa. “Esse é o início de uma mudança de cultura na Fifa”, insistiu o camaronês, que substitui provisoriamente o suspenso Joseph Blatter.
Mas quando as perguntas começaram, o tom mudou de forma radical. O africano se recusou a aceitar que a entidade seja corrupta, ainda que 17 dos 24 membros do Comitê Executivo da Fifa tenham sido afastados, presos ou suspensos em 5 anos. “A Fifa não é corrupta. São indivíduos”, insistiu.
Quando foi questionado sobre o fato de ter sido punido há poucos anos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) por corrupção, Hayatou apenas respondeu: “Nem eu sei por que fui punido”. O africano chegou a evocar racismo e garantiu que “jamais” pegou dinheiro. “Se eu fosse corrupto, não estaria aqui”, atacou.
Hayatou, que está na Fifa há mais de 20 anos e nesta quinta-feira parecia dormir em alguns trechos da apresentação da reforma da entidade, também se mostrou irritado quando foi questionado sobre como ele poderia mudar a Fifa, quando esteve sempre ao lado das pessoas hoje detidas. “Isso não tem nada a ver. Não existem provas”, insistiu.
François Carrard, presidente do Comitê de Reformas, também insistia em um discurso de que esse era “o começo de um processo”. “Todos sabemos que a Fifa está passando por uma profunda crise”, declarou.
Mas quando foi questionado pela reportagem quanto ele havia recebido para realizar seu trabalho de liderar a reforma, ele se recusou a dar uma resposta: “Ganho o preço de tabela de um advogado em Lausanne por hora”. Quando a reportagem o questionou quantas horas havia trabalhado na reforma, ele respondeu de forma dura. “Esse não é problema teu. É meu”, afirmou.
Markus Kattner, secretário-geral da Fifa, também se recusou a dar respostas sobre sua situação. Sua assinatura aparece em diversos documentos usados para abrir processos contra Joseph Blatter e Michel Platini. Ao ser questionado sobre isso, se negou a dar uma resposta. “Não posso responder”, disse.
MEDIDAS – Ignorando as críticas e na esperança de reverter a crise financeira e restaurar a imagem da entidade, os executivos aprovaram uma reforma da organização. Pelo menos três multinacionais estariam dispostas a assinar um acordo com a Fifa. Mas querem garantias de que as reformas vão ocorrer.
A refundação da Fifa não veio sem um conflito interno. A proposta original, de Domenico Scala, tentou ser diluída por dirigentes asiáticos e por aliados de Blatter. A ideia de colocar limite a mandatos havia sido enterrada. Mas, pressionados pelos cartolas dos EUA e apoiados pela Conmebol, os integrantes do Comitê Executivo fizeram avançar a reforma.
“Sou contra. Mas se isso é o que precisa para restabelecer a imagem da Fifa, vou aceitar”, prometeu Ahmed Al Sabah, membro do Comitê Executivo e um dos homens mais fortes hoje na entidade. “A prioridade é a imagem da Fifa”.