É um porão de pé-direito baixo. Akilez Abas, articulador do Projetonave, banda que acompanha os movimentos do hip-hop de forma direta ou indireta há 19 anos, precisa curvar o corpo magro e alto para se esquivar das vigas na altura do seu nariz. Aproxima-se do restante do grupo, formado ainda por Marcopablo (guitarra), Alex Dias (baixo), DJ B8 (toca-discos e samples), Flavio Lazzarin (bateria) e Willian Aleixo (teclado), e se posiciona atrás do MPC.
Juntos, eles formam um círculo iluminado por uma única lâmpada fraca, de luz amarela, enquanto o restante do ambiente está no breu. Ali, entram na mesma frequência. A bateria comanda as viradas, enquanto guitarra e baixo conversam como velhos amigos há horas em um bar – frases ditas ao mesmo tempo, mas complementares. O transe hipnótico chega ao fim sem ser abrupto demais. É em uma casa escondida numa rua residencial de Santo André, na Grande São Paulo, que o Projetonave dá vida ao projeto Mixtape mais uma vez.
Com ele, o sexteto se apresentará em três noites no Sesc Vila Mariana, com 27 participações especiais de rappers – e possivelmente uma surpresa ainda não revelada -, nos dias 4, 5 e 6 de fevereiro. A Mixtape, lançada em formato de cassete há dois anos, nasceu de uma relação afetiva com o formato das fitas. Qualquer adolescente ligado em música durante os anos 1980 e 1990 tinha a própria coleção de canções favoritas.
A Mixtape do Projetonave – lançada em formato físico e digital – reúne 41 instrumentais de clássicos do rap nacional, com roupagem nova, tipicamente experimental, como é a marca do grupo surgido em 1997. A cassete foi mixada por Cesar Pierri (conhecido pela sigla CESRV) e é uma aula magna do melhor que foi produzido pelo gênero no País, com novas versões para Mundo da Lua (do SNJ), Oitavo Anjo (Dexter), Transitando (Max B.O), Tá de Chapéu (Haikaiss), Capítulo 4, Versículo 3 (Racionais MCs), Sapatos Polidos (Elo da Corrente), Elegância (Rincon Sapiência), entre outros.
Foi uma ideia que nasceu despretensiosa, como contou Akilez (também responsável por voz, escaleta e programações na banda) no intervalo de mais uma tarde quente de ensaio no porão. Após seis anos como banda residente do programa Manos e Minas, da TV Cultura, a banda reunira no currículo números superlativos: se apresentaram com 300 MCs diferentes e gravaram mil músicas. A experiência na TV ajudou a fortalecer a ideia da primeira cassete – a segunda, com remixes de 45 produtores, beatmakers e MCs, chegará depois do carnaval.
A Mixtape expõe o papel importante exercido pelo Projetonave principalmente durante o período de residência no Sarajevo, clube visto como responsável por dar o pontapé na efervescência da região conhecida como Baixo Augusta, em São Paulo, na década passada. Nas noites de quinta, o grupo subia ao palco sem repertório fixo. Já com a formação atual, flertava com free jazz, explorava timbres e promovia pequenas catarses. Aos poucos, rappers passaram a se juntar ao sexteto. De lá para cá, o Manos e Minas foi um passo natural.
O Projetonave assumiu, ao longo dos anos, a função de banda base de MCs. Tocaram com nomes como Emicida e Flora Matos. Entre os projetos do grupo está o Nabase, que é o lançamento de compactos de vinil de sete polegadas. Serão 15 no total. Nessas minibolachas, Akilez e companhia mostram a capacidade de encontrar caminhos não convencionais com artistas de fluências distintas.
“O Projetonave é uma das poucas incursões mais sérias entre a musicalidade do instrumentista e o hip-hop”, explica Rodrigo Brandão, MC e ex-VJ apresentador do Yo! MTV, entre outras tantas funções no hip-hop, também chamado para participar do projeto Mixtape. “Hoje, é claro, existem mais músicos que contribuem para o hip-hop. Mas, dedicado à causa, mesmo, é o Projetonave.”
De tão dedicado à causa, o grupo nunca exerceu o protagonismo que lhe é de direito. À beira de completar a segunda década de existência, o Projetonave tem uma trajetória de poucos discos próprios – são três, Projetonave (2004), Volume 2 (2009) e Asunzion (um EP de 2012) – e uma boa história para contar.
A banda nasceu do encontro entre Akilez e Marcopablo. “Vi o Marquinhos tocando guitarra numa praça com uma influência de blues”, conta o primeiro. O colega cita o disco Odelay, de Beck, de 1996, como ponto de partida estético. “No fim dos anos 1990, houve uma vontade de misturar”, explica o guitarrista. “A banda tinha essa sede de unir linguagens”, diz Akilez.
Os dois primeiros anos foram intensos para o Projetonave. O grupo, com uma formação um tanto diferente da que tem hoje, venceu o Skol Rock, realizado no estacionamento do Anhembi em São Paulo, em 1999. Lá, abriram para o Offspring e Bad Religion.
Como prêmio, teriam mil discos lançados pela Virgin (gravadora comprada pela EMI e hoje adquirida pela Universal). Em uma série de reuniões com o produtor Rick Bonadio, contam eles, foi-lhes proposto que o peso do som deles fosse amaciado. O então MC da banda, Adalberto Ribeiro, levantou-se: “Não sei vocês, mas eu estou saindo daqui”. O restante o seguiu. O MC, dito como genial pelos integrantes, deixou a banda e pode ser visto perambulando pelas ruas da região do ABC. O Projetonave, por sua vez, segue seu caminho distinto. “Não me arrependo de não ter aceitado a proposta do Bonadio”, diz Akilez. “Não mudaria nada na nossa história.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.