Cidades

Proporção de famílias dependentes do Bolsa Família em Guarulhos supera a da capital

Nas vielas estreitas da Vila Any, no extremo leste de Guarulhos, é comum ver avós cuidando dos netos enquanto os pais enfrentam longas jornadas em empregos informais. O cheiro de comida simples, às vezes escassa, mistura-se ao som constante de buzinas, rádios ligados e crianças brincando nas ruas.

Em meio à rotina dura da periferia, o Bolsa Família já faz parte da vida de milhares de guarulhenses, funcionando como o alívio mensal que garante o básico — um respiro no orçamento de famílias que vivem no limite. Mais do que um programa social, o pagamento tornou-se um componente fixo da renda doméstica e um sinal claro da dependência estrutural do assistencialismo federal, em regiões onde a presença do Estado se resume, na prática, à transferência direta de renda.

E Guarulhos é um dos líderes desses indicadores. Entre os 515.168 domicílios da cidade, 107.215 recebem o Bolsa Família. Considerando que cada domicílio abriga em média quatro pessoas, é possível afirmar que mais de 400 mil guarulhenses, um quarto da população total, dependa do benefício. A proporção é significativamente maior que a da capital paulista, onde apenas 13,7% dos domicílios (688.775 de um total de 4.996.495) são contemplados pelo programa.

Em Campinas, cidade com perfil demográfico semelhante ao de Guarulhos, são 58.435 domicílios atendidos em um total de 429.519, o equivalente a 13,6%. Em termos proporcionais, Guarulhos concentra mais famílias em situação de vulnerabilidade social formalmente reconhecida do que São Paulo e Campinas, duas das maiores cidades do estado.

Quando se observa a relação entre população total e o número de beneficiários, o cenário também é alarmante. De acordo com o último Censo, Guarulhos tem 1.345.364 habitantes, o que representa um percentual de 7,97% da população atendida. Na capital, com 11.451.999 moradores, o índice é de 6,01%. Em Campinas, com 1.139.047 habitantes, o percentual é ainda menor: 5,13%.

A apuração do GWeb revela que Guarulhos tem uma taxa de beneficiários 32% maior que São Paulo e quase 55% maior que Campinas, mesmo tendo populações em faixas semelhantes, no caso da cidade do inteior.

Novo Recreio - Guarulhos (SP)
Comunidade do Novo Recreio, em Guarulhos  FOTO: Marcos Santos

Vulnerabilidade social em Guarulhos

O retrato da vulnerabilidade não se encerra, porém, nos números do Bolsa Família. O Censo Demográfico de 2022 mapeou 170 favelas e comunidades urbanas em Guarulhos, onde vivem 215.969 pessoas: 16,71% da população da cidade. A média nacional é de 8,1%, ou seja: Guarulhos tem o dobro da média de brasileiros vivendo em assentamentos precários.

Segundo o governo federal, hoje, o valor médio do benefício no estado de São Paulo é de R$ 658,40. Para milhares de famílias em Guarulhos, essa quantia é a principal, senão a única, fonte de renda fixa. Desde a reformulação do programa, o governo também incluiu complementos: R$ 150 para crianças de 0 a 6 anos, além de R$ 50 adicionais para adolescentes, gestantes e mães que amamentam.

A quantidade de beneficiários em Guarulhos justifica o foco: a cidade é a segunda com maior número de famílias atendidas no estado, perdendo apenas para a capital. Na sequência estão Campinas (58.435), Osasco (41.680) e São Bernardo do Campo (40.382).

Mas especialistas no tema, ouvidos pelo GWeb, alertam: transferência de renda não substitui políticas públicas estruturais.

É preciso entender o Bolsa Família como um remendo, não como solução. A dependência prolongada de programas sociais revela a falência de ações mais eficazes em educação, qualificação profissional e geração de empregos”, afirmou a professora guarulhense Márcia de Jesus, ativista e estudiosa da área.

Enquanto a cidade enfrenta dificuldades históricas de urbanização, infraestrutura e emprego, a dependência da assistência federal cresce. O risco, segundo a especialista, é que o assistencialismo deixe de ser ferramenta emergencial e se torne parte permanente do tecido social urbano. Em outras palavras: uma normalização da pobreza, travestida de política pública.

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