Nesta quinta-feira, 27 de julho, o site americano Pitchfork, maior referência de avaliação de álbuns na música pop contemporânea, cujas resenhas e notas rigorosas são esperadas e temidas, publicou uma elogiosa crítica a respeito do novo álbum do produtor paulista DJ K, de 22 anos, Pânico no Submundo.
O texto, assinado pela jornalista Nadine Smith, diz que o som produzido pelo artista, chamado de "funk bruxaria" (um som mais agressivo), extrapola o Baile do Helipa – um dos maiores o País, realizado em Heliópolis – e "soa como uma década de cenas de dance music misturadas em um liquidificador". E mais: diz que as batidas fortes produzidas por DJ K ressoam nas principais cenas eletrônicas do mundo.
No Twitter, Nadine definiu o DJ K como "um dos artistas mais corajosos saídos da empolgante cena experimental do baile funk paulista". Ela completa: "É fácil descrever dance music como futurista, mas essa é na verdade o futuro. Recomendo muito."
A crítica usa um dos elementos usados no funk feito produtor brasileiro – o "tuin", um som super agudo – para dizer que ele promove um invocação que lembra tanto o apocalipse quanto a alucinação. Uma "sinfonia metálica", diz o texto. O álbum chega às plataformas de música nesta sexta-feira, com 15 faixas, pelo selo Nyege Nyege Tapes, de Uganda.
Para descrever o som do DJ K, o texto chega a citar Picasso: "Essas canções moram nas bordas sombrias do galpão onde corpos se contorcem em quadros semelhantes a Guernica, encontrando um êxtase distorcido".
A revista britânica DJ Mag, grande referência da música eletrônica, também publicou uma crítica elogiosa do álbum, e disse que na música feito pela DJ K "visuais fantasmagóricos encontram beats distorcidos. Essencial aos fãs do club global underground".
Mas quem é o DJ K?
Em conversa com o <b>Estadão</b>, DJ K confessou que não conhecia o Pitchfork. Foi alertado por amigos sobre a importância da publicação. Ficou feliz. "Vim de um lugar onde não temos luxo nenhum, praticamente nem moradia. Ser reconhecido dessa forma é um privilégio", diz.
O produtor diz que a interpretação da crítica publicada pelo Pitchfork é apenas uma das possíveis sobre o funk bruxaria que ele produz. "Até aqui no Brasil é meio difícil de entender. Bruxaria é um som mais agressivo. É o punk. Os jovens a abraçaram como o meio de fazer uma revolução, sem violência", explica.
DJ K reconhece que a crítica é o reconhecimento, não apenas de seu trabalho, mas da música feita pela periferia. "Comecei há três anos, estourei algumas músicas, peguei virais. Além de ser algo que eu gosto de fazer, virou uma fonte de renda", diz o produtor, que agora mora sozinho e tem um quarto com todos os equipamentos necessários para fazer suas produções.
Nascido em Diadema, na grande São Paulo, DJ K sempre foi fã de rock. Entre suas bandas preferidas, estão Evanescence, System of a Down e Pearl Jam, que aparecem em suas produções por meio de samples.
Ele se aproximou da produção de música trabalhando com o tio, que tinha uma banda. Produziu rap e reggae, até chegar ao funk. "Eu sempre quis viver da música, independente do gênero. Mas, no funk, o público me abraçou. Tenho relevância dentro dele", diz.
O sucesso do DJ K começou há cerca de um ano e meio, quando ele produziu a faixa Olha o Barulinho da Cama Renk Renk Renk, com letra proibidona, que foi ganhou redes sociais e programas de TV.
Atualmente, DJ K investe em novos artistas na sua própria produtora, a Bruxaria Sound, que já tem 16 artistas em seu catálogo. Em outubro, ele fará uma turnê pela Europa, em países como Inglaterra, Polônia e "Quero ser grande e independente", diz.
<b>Para pesquisador, o funk do DJ K é de vanguarda</b>
Para o jornalista e pesquisador pernambucano GG Albuquerque, que trabalhou com DJ K no álbum Pânico do Submundo, a crítica publicada pelo Pitchfork chega como um reconhecimento para o trabalho do artista.
"Não vai transformar toda a cena do funk paulista, mas é um avanço para a carreira de um produtor que tem um trabalho diferenciado dentro da música eletrônica brasileira, mas que ainda não é reconhecido dentro do território brasileiro. É um texto bem escrito, que soube reconhecer o que o mercado brasileiro de música muitas vezes não percebe", diz GG, que trabalha na finalização de um documentário sobre DJ K e a cena da música periférica de São Paulo.
Para GG, essa falta de reconhecimento tem raízes no preconceito que o funk e outros gêneros produzidos nas periferias brasileiras sofrem por parte dos críticos e de muitos ouvintes. "Se entende o valor sócio cultural dessa produção, mas não o artístico. Ela é inovadora e traz elementos musicais diferentes. É um tipo de música eletrônica brasileira avançada e vanguardista", opina.
"A população negra e periférica tem essa capacidade de produzir algo grandioso. O funk é uma música eletrônica, assim como o tecnobrega e o piseiro", explica GG.
O pesquisador diz que, no exterior, a mídia e o produtores estão mais abertos a perceber isso, estimulados pela criatividade dos produtores brasileiros de funk.
GG diz que é nos bailes de favela, onde a o funk reina, que surgem tendências, não só musicais, mas também de comportamento, que depois acabam sendo absorvidas pelo pop. Um dos exemplos é a música produzida por Anitta – a artista é citada no texto publicado pela Pitchfork como "grande estrela" que espalha o som funk por meio de reinvenções do pop.
E, nesse, caso, não haveria, então, uma apropriação do funk, fazendo com que ele perca sua legitimidade? "Difícil de avaliar até que ponto isso se torna uma produto esvaziado. É preciso olhar cada caso", diz GG.
"O baile funk conseguiu resistir à apropriação generalizada, provavelmente porque seus produtores frequentemente desafiam os limites do próprio som", arrisca Nadine no texto do Pitchfork.
Para DJ K, mais do que especulações do mercado, o importante – e esse é o sonho comum de muitos produtores – é "fazer subir" uma música nas paradas. "Já estou há cinco meses sem subir nenhuma. Na expectativa para que isso ocorra com esse novo trabalho. ", diz.
<b>Entenda a origem do funk bruxaria feito pelo DJ K</b>
Vertente do funk, a bruxaria, da qual DJ K é um dos pioneiros e maiores e divulgadores, é uma derivação mais pesada do mandelão, um tipo de funk que é tocado nos fluxos, os bailes de rua, marcados por uma batida mais pesada, distorcida e crua, com muitas repetições.
Em bailes de São Paulo como do Helipa e da DZ7, em Paraisópolis, é este tipo de som mandelão e suas variações que predominam atualmente, em uma cena criativa e efervescente, cheia de jovens músicos em ascensão como o DJ K.
GG explica que, desde que o funk brasileiro surgiu, nos anos 80, ele assumiu formas diferentes em dois de seus principais locais de produção. No Rio de Janeiro, ganhou ares mais solares, alegres e debochados. Em São Paulo, tomou uma forma mais sombria.
A bruxaria do DJ K eleva essa atmosfera, usando elementos do terror, do horror e do rock ao limite. É o funk de São Paulo ainda mais agressivo, distorcido e agudo. "Ele refinou tudo isso, criando um som ainda mais forte", diz GG.