Um forte terremoto de magnitude 7,1 graus na escala Richter, ocorrido em setembro passado, na Cidade do México, adiou em dois meses a realização do Mundial Paralímpico de Natação de 2017, remarcado para ocorrer entre os próximos dias 2 e 7 de dezembro. O trágico fenômeno natural provocou centenas de mortes, derrubou dezenas de prédios e colocou em dúvida a realização do grande evento na capital mexicana. E não seria nenhum exagero dizer que uma espécie de terremoto emocional e físico estremeceu de forma bastante significativa a vida da nadadora Raquel Viel, um dos 17 nomes convocados para defender o Brasil na competição no México, onde ela estará presente após mais de um ano de luta contra um câncer de mama.
Deficiente visual desde o nascimento (congênita), Raquel foi diagnosticada com um tumor maligno no seio esquerdo pouco após disputar os Jogos Paralímpicos do Rio, onde ficou perto do pódio ao terminar a final da prova dos 100m costas com a quarta colocação e o melhor tempo de sua carreira. Apesar da grave doença, que a obrigou a ser submetida a muitas sessões de quimioterapia e radioterapia durante vários meses, a atleta que tem apenas 10% de visão manteve a sua rotina de atleta paralímpica.
Embora inevitavelmente tenha diminuído a sua carga de treinos, Raquel usou a natação como uma forma de substituir os remédios tomados para combater a depressão que esse tipo de doença costuma provocar. E, superando as expectativas dos próprios médicos que temiam pela sua continuidade no esporte de alto rendimento durante o tratamento, conquistou em abril deste ano o índice para poder disputar o Mundial Paralímpico no México. Será o seu terceiro Mundial.
Pouco tempo após comemorar o feito, Raquel foi submetida, em 18 de maio, a uma cirurgia para retirada de parte da mama que foi afetada pelo tumor. E a operação foi apenas um dos muitos capítulos da batalha contra o câncer. Até setembro passado, ela ainda tomava comprimidos que tinham o mesmo feito de uma quimioterapia e provocaram fortes efeitos colaterais, como irritações na pele, e a debilitaram fisicamente. Por isso, a sua médica optou por interromper este tipo de tratamento às vésperas do Mundial, que inicialmente estava marcado para ocorrer entre 29 setembro e 6 outubro.
“É uma doença com muitos obstáculos tanto físicos como emocionais. Os efeitos do tratamento de quimioterapia e radioterapia são difíceis e a parte psicológica é mais complicada ainda”, ressaltou Raquel em entrevista ao Estado, apenas um dia após ter realizado uma biópsia, exame para monitorar a evolução do tratamento contra o tumor, que pode reaparecer mesmo após ser combatido de forma severa.
“Eu creio em Deus que hoje estou curada, mas é uma doença que requer cuidados durante cinco anos”, disse a nadadora de 34 anos, natural de Vinhedo (SP), que no final do mês passado ganhou quatro medalhas de ouro em sua classe de deficiência nas provas dos 50m e dos 100m livre, dos 100m costas e dos 100m peito da última etapa nacional de 2017 do Circuito Loterias Caixa de Natação.
A nadadora, porém, reconhece que a grave doença que a impediu de treinar de forma intensa como fazia até pouco mais de um ano atrás, então quando visava principalmente dos Jogos Paralímpicos do Rio, a motivaram a optar por participar de somente duas disputas do Mundial do México: os 100 metros costas, que é a sua melhor prova, e os 100m peito.
“Tive menos de um ano de preparação ao Mundial por causa da doença e ainda precisei diminuir o ritmo dos treinamentos por causa do tratamento. Por isso, priorizei nadar apenas duas provas no Mundial”, afirmou Raquel, que mesmo assim não estabeleceu objetivos modestos para a competição em solo mexicano. “Minha meta é fazer a minha melhor marca no ano e estar entre as cinco melhores do mundo”, projetou.
DORES E SOFRIMENTO – O estilo que provoca mais dores à Raquel hoje é o costas, pois este nado exige o giro completo dos braços e movimenta muito a região das mamas. E ela admite que o sofrimento continua.
“Ainda estou com um pouco de dor, da cirurgia. Terei tempo para treinar para o Mundial, mas estou bem cansada, desgastada por treinar junto com o tratamento”, revelou. “O nado costas para mim é o mais difícil, apesar de achar que esse é o nado que estou nadando melhor”. Isso, porém, não é nada para quem enfrentou – e está vencendo – um câncer e será um fiel retrato brasileiro da superação no México.