O recuo no corte de benefícios fiscais do Imposto sobre Circulação de Bens e Mercadorias (ICMS) para alimentos e medicamentos em São Paulo, determinado na noite de quarta-feira pelo governo João Doria (PSDB) após pressão do setor agrícola, se deu em meio a avaliações do Palácio dos Bandeirantes de que a narrativa segundo a qual a medida poderia trazer aumento no preço de alimentos durante a pandemia prejudicaria a imagem do governador paulista. Doria se movimenta para ser o candidato do PSDB à Presidência da República em 2022.
Embora os técnicos e dirigentes do primeiro escalão do governo estadual defendam o ajuste fiscal do Estado, elaborado pelo secretário de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo, os principais auxiliares e o próprio Doria concluíram que seria melhor abrir mão do fim da isenção de ICMS para alimentos, insumos agrícolas e remédios, como reivindicavam setores do agronegócio, antes que a ideia de que a alta no preço dos alimentos, que é nacional, tivesse relação com o pacote paulista.
Essa ideia, ainda segundo essas avaliações, poderia ser difundida especialmente por grupos bolsonaristas que têm entrada no setor do agronegócio e proximidade com pequenos produtores rurais. Nos protestos com "tratoraço" – que mesmo após o recuo ocorreram ontem em 150 cidades, segundo os organizadores – circularam imagens de caminhões com fotos do presidente Jair Bolsonaro e bonecos infláveis caracterizando o governador.
A decisão pelo recuo se deu em uma reunião do governador com a equipe econômica no fim da tarde, quando o protesto já ganhava corpo, e teve aval do secretário Mauro Ricardo.
Doria, que já avisou à equipe que não se importa em ir a público e pedir desculpas caso avalie ter errado, divulgou uma nota em que admitia a possibilidade de aumento nos preços dos alimentos, mas que desistiria da proposta diante do recrudescimento da crise sanitária.
Por outro lado, com os resultados positivos da eficácia da Coronavac, do Butantan, há no governo expectativa de que o Estado cresça de forma acelerada ainda em 2021 após a vacinação. "Estou convicto de que a vacinação é a principal política de geração de empregos e crescimento da economia em 2021. Não só salva vidas mas permite o crescimento", disse o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, em um seminário para prefeitos que tomaram posse no dia 1.º, pouco antes do encontro que determinou o recuo.
<b>Reações</b>
O anúncio, feito apenas nas redes sociais, sem edição de decretos, dividiu representantes do setor alimentício. Enquanto entidades ligadas ao agronegócio reagiram positivamente, associações de hortifrutigranjeiros e supermercados continuam céticos quanto à promessa e pediram cautela até lerem o novo decreto do governo – que o Palácio dos Bandeirantes deve editar até hoje.
Um novo protesto está marcado para hoje na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), na zona oeste da capital. "Ainda é cedo para nós comemorarmos", disse ontem o presidente do Sindicato dos Permissionários em Centrais de Abastecimento (Sincaesp), Cláudio Furquim, ligado ao setor hortifruti. A entidade tem distribuído sacolas com frutas em semáforos na região da Ceagesp com panfletos que pedem revogação total das medidas que aumentam a cobrança do ICMS.
Na mesma linha, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) anunciou que não aceita a suspensão anunciada. A Apas argumenta que a medida não atingiria toda a cadeia produtiva que sofreu aumento na cobrança do imposto, e que os preços de itens como frutas, legumes e verduras ainda podem subir. A entidade também pede revogação de todos os decretos que tratam do tema.
Já o presidente do Fórum do Agronegócio, Edivaldo Del Grande, considerou o anúncio de Doria uma vitória do setor e uma atitude "corajosa" do governo. Embora tenha pedido cautela, ele disse que os termos do anúncio parecem atender às reivindicações dos produtores. "Não esperávamos que ele tomasse essa decisão de forma tão rápida. Nós esperamos (a publicação) até para agradecê-lo. Errar é humano, persistir no erro é burrice. Ele não persistiu, aparentemente voltou atrás."
Em nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento disse que uma "força-tarefa está dedicada para aplicar a determinação do governador para revogar as mudanças no ICMS".
<b>Pacote</b>
Além de permitir o corte em benefícios fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o pacote de ajuste fiscal do governo do Estado aprovado em outubro autorizou o governo estadual a tomar várias medidas que aumentam arrecadação e cortam despesas. Trata-se da maior lei enviada por João Doria à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) desde o início do mandato.
Entre as mudanças, o pacote criou novas regras para obter a isenção do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para pessoas com deficiência física, visual ou intelectual. A isenção do imposto passou a ser concedida a deficientes físicos que utilizam carro adaptado. Apenas motoristas com doenças severas são contemplados hoje com o benefício. Para casos em que o veículo não é conduzido pelo deficiente, a isenção do IPVA agora só é concedida a veículos que tenham condutores autorizados e vistoriados anualmente.
O governo estadual também foi autorizado a iniciar um programa de demissão incentivada de caráter permanente, voltado para servidores públicos considerados estáveis. O plano deve ser implementado nas secretarias estaduais, na Procuradoria-Geral do Estado e nas autarquias. No caso das universidades, só devem participar as instituições que tiverem interesse.
Houve também um aumento na cobrança de contribuições pelos serviços do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe), que atende funcionários públicos estaduais.
<b>Polêmicas</b>
Entre os pontos que sofreram críticas mais intensas dos deputados estaduais, à época, está a obrigatoriedade para autarquias, fundações e fundos ligados ao Executivo transferirem superávits financeiros à conta única do Tesouro estadual. A proposta gerou reação da comunidade acadêmica, e os parlamentares incluíram exceções para as universidades estaduais, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e fundos ligados a categorias da Segurança Pública. Outras entidades, porém, devem repassar seus superávits obrigatoriamente ao fim de cada ano.
A oposição na Alesp também reagiu à proposta de extinguir nove entidades estaduais. Esse ponto também acabou desidratado durante a tramitação do pacote na Casa. Quatro entidades foram poupadas na redação final, mas a Assembleia autorizou a extinção de cinco órgãos: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), Fundação Parque Zoológico e Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp).
Além disso, o governo não conseguiu aprovar mudanças no Imposto Sobre a Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Bens ou Direitos (ITCMD). O trecho foi retirado sob o argumento de que os valores aumentariam muito. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>