Após uma série de capítulos e debates nos corredores do Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência não será mais votada este ano. Essa foi a afirmação do presidente Michel Temer e de sua equipe econômica, que descartaram de vez a votação da reforma depois da aprovação da intervenção federal para o combate à violência no Rio de Janeiro. Isso porque com a ação para garantir a segurança pública carioca, o Governo Federal fica impedido constitucionalmente de aprovar qualquer proposta de mudança da Constituição Federal.
Na ótica de acadêmicos e especialistas em Direito Previdenciário, a suspensão da votação da reforma foi positiva, mas deve-se manter a cautela, pois mudanças no sistema previdenciário poderão ser feitas via Medida Provisória ou Projetos de Lei.
O professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autor de diversas obras de Direito Previdenciário Marco Aurélio Serau Junior alerta que alterações cogitadas na reforma poderão ser pontos de discussão ainda este ano no Legislativo.
“Ainda que a tramitação da PEC no Congresso tenha sido suspensa, não há motivos para comemoração. Uma série de elementos como a acumulação de pensão por morte e outros benefícios previdenciários, regras do benefício assistencial, o BPC-Loas, e até o cálculo da aposentadoria poderão ser alterados via MP ou Projeto de Lei”, explica.
De acordo com o professor e autor de obras de Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez, as dificuldades políticas foram fundamentais para a suspensão da votação da reforma, mas a ausência de um aprofundamento técnico das necessidades reais das mudanças foi importante na decisão do Governo. “Não era uma proposta ideal para reforma da Previdência. Não foram ouvidos os técnicos e faltou ousadia para as mudanças necessárias. Importa saber: diante do cenário que se avizinha de transformações tecnológicas; ausência de emprego; baixa natalidade e alta expectativa de vida, talvez devamos pensar num misto de previdência-investimento, com planos de contribuição definida para as prestações programadas”, diz.
Na análise do professor Adriano Mauss, a falta de votos para aprovação das mudanças foi decisiva para a derrota do governo.
“A sociedade brasileira está cada vez mais informada sobre seus direitos e deveres, principalmente em relação ao sistema previdenciário. Os deputados e senadores sofreram pressão de seus eleitores para que a reforma de Previdência não fosse aprovada da forma como foi apresentada pelo governo. Tudo isso, somado ao ano eleitoral e o fato de ter sido decretada uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, que proíbe uma alteração constitucional durante sua vigência, faz com que o governo esteja com profunda dificuldade para conseguir os votos necessários para aprovação da Emenda Constitucional” pontua.
Para o advogado de Direito Previdenciário João Badari, sócio do Aith Badari e Luchin Advogados, a desistência oficial da votação da reforma da Previdência em 2018 é uma vitória dos trabalhadores. “Nem o vale tudo, com a promessa de bilhões para comprar o voto de deputados e senadores, e nem o pânico que o Governo Federal instalou no país, com propagandas sistemáticas sobre o mito do déficit da Previdência Social no país, foram capazes de garantir a aprovação do exto da proposta que representaria um grande retrocesso social para os segurados do INSS”, avalia.
Badari também reforça que a votação está suspensa, mas não arquivada. “Logicamente, o Governo Federal entregou os pontos e ‘jogou a toalha’ neste round da batalha. Mas a revanche pode ser anunciada em breve. Assim, precisamos continuar em alerta contra os possíveis passos e ataques da equipe econômica na área previdenciária”.
Sabor amargo
O advogado previdenciário Murilo Aith destaca que, apesar da suspensão da votação da reforma ser uma vitória e uma boa notícia para os trabalhadores, a caminhada do debate para a aprovação das mudanças deixou um sabor amargo.
“Isso porque a equipe de Temer conseguiu ampliar o prejuízo nos cofres da Previdência Social em várias frentes, em razão do reflexo da discussão da reforma. A pior de todas foi com a corrida dos trabalhadores para se aposentar. O alarde com a possibilidade da aprovação de uma nova idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, além de 40 anos de contribuição mínima para garantir o benefício integral de aposentadoria, fez com que milhares de segurados do INSS se aposentassem de forma precipitada”, apontou o especialista.
Segundo Aith, que muitos brasileiros se aposentaram com um valor de benefício inferior do que poderia conquistar se seguisse um planejamento para atingir regras mais favoráveis.
“A corrida pela aposentadoria fez com que a maioria das pessoas tivesse o benefício reduzido. Certamente grande parte daqueles que deram entrada na aposentadoria não atingiram a Fórmula 85/95, que garante o benefício integral para as mulheres que somassem 85 pontos e homens que chegassem aos 95 anos, na soma da idade e do tempo de contribuição à Previdência. E, assim, tiveram seu benefício reduzido pelo fator previdenciário, que em muitos casos significa a perda de 30% no valor da aposentadoria”, alerta.
O advogado observa que, de acordo com dados recentes, em razão do pânico da reforma, a Previdência Social teve um gasto imediato de mais R$ 1,8 bilhão com as novas aposentadorias. O crescimento em 2017 foi de 47% nos pedidos de aposentadoria em relação aos períodos passados. Entre 2015 e 2017, as concessões passaram de 318,5 mil para 468,5 mil aposentadorias. “Antes da discussão da reforma, esse crescimento era de cera de 2% ao ano”, ponderou Aith.
Horizonte
Os especialistas concordam que a reforma proposta está longe de ser a ideal para o país neste momento. “A proposta atual não foi discutida com a sociedade e não está fundamentada em elementos atuariais que demonstrem que os benefícios precisam ser alterados. Não há, na proposta apresentada, um cálculo atuarial que poderia demonstrar cientificamente o quanto cada benefício precisa ser modificado para que o fundo previdenciário seja sustentável por um logo tempo”, avalia o professor Adriano Mauss.
Serau Junior também ressalta que a proposta atual da reforma tinha um propósito econômico e político. “A proposta não é a mais adequada à realidade social brasileira. Utilizaram apenas dados matemáticos, que não condizem, por exemplo, com o nosso mercado de trabalho, que não comporta os idosos, por exemplo”.
Na visão de Adriano Mauss, uma medida necessária para melhorar a Previdência no país não diz respeito necessariamente à lei, mas à estrutura do serviço prestado pelo INSS.
“Se o instituto prestar um serviço de melhor qualidade à população, combatendo as fraudes e melhorando seu processo de tomada de decisões, poderá economizar muito dinheiro público com o pagamento indevido de benefícios e também com pagamento de juros e honorários advocatícios. Além disso, a estrutura do Judiciário poderia ser mais enxuta. Só com essas medidas a União teria uma economia bilionária, que poderia ser utilizada para pagamento de mais serviços à população”, conclui.
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