Artigo de Paulo Sergio João, advogado, professor da PUCSP e da FGV
Tem sido frequente o surgimento de grupos trabalhadores dissidentes no próprio sindicato que os representa dentro da estrutura formal. São conflitos atípicos assim denominados porque escapam do controle formal do sindicato. Apenas para lembrar alguns casos, os garis do Rio de Janeiro, os motoristas rodoviários mais recentemente, tanto naquela cidade como na cidade de São Paulo e região metropolitana onde causaram problemas de toda ordem no trânsito, por razões óbvias, e, consequentemente nas atividades de rotina das empresas.
Há uma perplexidade relativamente à minoria dissidente do sindicato, e a questão mais prontamente colocada é se tal grupo poderia agir desta forma, pois o sindicato já havia assinado uma convenção coletiva de trabalho com o sindicato patronal. O outro questionamento vem na sequência: de quem seria a responsabilidade pelos prejuízos de todo gênero sofridos e qual o grau de responsabilidade do município nesta crise localizada.
Primeiro ponto de destaque é que os trabalhadores dissidentes demonstram, de forma sintomática, que o velho critério da representatividade sindical não serve mais para manifestar a vontade de todos que supostamente o sindicato representaria. A dissidência exige uma revisão do modelo sindical baseado na unicidade.
Os dirigentes sindicais, que se acostumaram no conforto do modelo tradicional brasileiro, estão perdendo o reinado.
A título de referência, quando o sindicato dos metalúrgicos do ABC, em 1979, fez oposição ao regime político e ao modelo de reajustes salariais, tínhamos uma resistência política e externa, mesmo sem pretender a revisão da estrutura sindical, combatida inicialmente, mas depois acalentada pelos líderes que se seguiram. Agora, os movimentos nos trazem uma reflexão voltada para a reestruturação do próprio sindicado e sua organização.
Formalmente, o movimento paredista dos motoristas, após a celebração da convenção coletiva de trabalho, pode ser considerado abusivo com efeitos na perda do salário dos dias parados para os trabalhadores que aderiram ao movimento. Entretanto, não se pode negar a existência de um movimento coletivo de trabalhadores, mesmo contra a vontade daqueles que dirigem a entidade sindical e que têm a obrigação formal de representá-los e defender os interesses do grupo.
Este paradoxo não existiria no modelo de liberdade sindical em que as minorias teriam oportunidade de formar seus próprios sindicatos e teriam voz no processo de negociação coletiva. Neste caso, a conciliação não deixaria rastro de dúvidas quanto à sua legitimidade. Ao contrário, nossa organização sindical se considera única e se pretende representante ideológica da “categoria” que ao sindicato se vincula em razão de padrão legal e por uma obrigação de custeio.
O sindicato não pode ser apenas beneficiário de contribuições sindicais. Como representante de todos, na falta de outra entidade, a ele deve ser atribuída responsabilidade pelos atos praticados por todos trabalhadores. O sindicato personifica a vontade dos trabalhadores que o constituíram e quando o sindicato se manifesta está falando em nome de toda a “categoria”.
A dissidência interna deve ser objeto de reflexão para que se adote com urgência no país a Convenção 87 da OIT, com o reconhecimento da pluralidade sindical, dando oportunidade à criação de sindicatos livres, independentes e autônomos.
E, por fim, quanto ao poder público, o que se pode esperar? Qual o nível de responsabilidade diante do conflito?
O poder público, aqui considerado o município, não tem poder de interferência direta no conflito. A solução depende mais de negociação entre empregadores e trabalhadores do que de uma imposição pelo poder executivo.
O Judiciário Trabalhista, provocado pelo Ministério Público do Trabalho, terá oportunidade de se manifestar sobre o conflito, declarando sua legalidade ou não, podendo fixar outro reajuste salarial, diverso do negociado, e impor multa ao sindicato de trabalhadores. Após a decisão do Tribunal, manda a lei que os trabalhadores retornem ao trabalho e, a continuidade da greve permitirá aos empregadores a dispensa por justa causa.
Como se trata de concessão de serviço público, no caso dos motoristas, o município tem toda responsabilidade pelos acontecimentos porque, ao tratar do contrato de concessão, omite-se quanto às condições de trabalho que as empresas poderão dispensar aos empregados contratados. O poder público, para satisfazer a obrigação de que seja oferecido transporte público em boas condições e a preços populares, deixa às empresas uma margem reduzida de negociação e aos sindicatos uma difícil missão.
Portanto, mais do que um simples conflito de minoria insatisfeita, estes fatos atingem a essência do sindicalismo brasileiro e, se não revista a organização sindical, a insuficiência da representação fará com que as negociações coletivas se sujeitem a constantes explosões de dissidentes insatisfeitos, gerando insegurança jurídica para todos.
· Paulo Sergio João é advogado, professor da PUCSP e da FGV