Resultado preocupa, mas não é sinal de descontrole

A variação do IPCA em 2020 – a maior nos últimos quatro anos – não altera o cenário para a inflação deste ano traçado pelo economista Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP e especialista no tema. Ele admite que o resultado preocupa, mas não vê descontrole inflacionário, por enquanto. Heron mantém a expectativa de inflação em torno de 3% para 2021.

O economista argumenta que o resultado foi muito concentrado nos alimentos, especialmente os semi-elaborados, que incluem carnes, óleo de soja, por exemplo. "Se não tivesse ocorrido esse aumento para esse grupo, a inflação do ano ficaria pouco acima de 2%." A seguir, os principais trechos da entrevista.

<b>Como o sr. avalia o resultado da inflação de 2020?</b>

Dezembro surpreendeu. Eu esperava um resultado inferior para o mês porque os preços dos alimentos já tinham subido muito até então. Também houve o aumento da energia elétrica. No ano, a inflação foi de 4,52% e o Boletim Focus, do Banco Central, apontava para 4,37%.

<b>Esse resultado preocupa?</b>

Preocupa, mas, por enquanto, não sinaliza um descontrole da inflação para este ano. Isso porque o aumento da inflação acima do centro da meta em 2020 (de 4%) tem uma causa definida. Está concentrado no comportamento dos preços dos alimentos. Só os semi-elaborados (carnes, cereais etc) subiram 25% no ano passado e responderam por 2,4 pontos da inflação de 4,5%. Mais da metade da inflação do ano pode ser atribuída a este grupo de alimentos, que corresponde a menos de 10% das despesas familiares. Carne, arroz e óleo de soja, por exemplo, responderam por um ponto da inflação de 2020. O que aconteceu em 2020 é muito explicado pelo comportamento do preço dos alimentos e das commodities alimentares. Não foi um movimento geral de alta de preços. Se não tivesse ocorrido esse aumento para esse grupo, a inflação do ano ficaria pouco acima de 2%. É claro que, quando se tem um resultado ruim, assusta e isso vai aparecer nas próximas previsões.

<b>Esse resultado altera as projeções para 2021?</b>

Apesar de os alimentos semi-elaborados terem subido muito em dezembro, o ritmo de alta foi menor do que o registrado em novembro. Isso indica que o choque tende a se esvair. O mais provável é que haja uma estabilização dos alimentos este ano. Isso retira algo como mais de dois pontos da inflação. A minha previsão é em torno de 3% para 2021, a menos que ocorra uma variação no câmbio. No ano passado, tivemos uma maxidesvalorização de 30%.

<b>O que poderia levar a inflação ao descontrole neste ano?</b>

Se houvesse um descontrole da política econômica, algo que comprometesse os fundamentos. Por exemplo, uma alteração radical no teto de gastos, alguma questão de ordem política interna que gere pressão sobre o câmbio.

<b>Diante da inflação de 2020, o Banco Central deve subir os juros?</b>

A taxa de juros está muito abaixo da inflação e isso tem uma série de implicações. Todos os títulos são atrelados à Selic (taxa básica de juros) e isso pode implicar perda de rentabilidade muito grande. Muito provavelmente o Banco Central deve começar a aumentar os juros. A alta dos juros vai contribuir marginalmente para reduzir a propagação do choque de preços e para fazer com que a taxa de juros real não fique tão negativa. Estamos com taxa de juros negativa de 2,5 pontos porcentuais, a grosso modo. E tudo indica que a inflação deve continuar subindo em 12 meses ainda nos próximos meses. Vamos chegar a um ponto em que a taxa de inflação em 12 meses poderá estar acima da meta, que é 5,25%. E o BC tem que dar uma resposta a isso. E a resposta é aumento de juros.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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