Diante da falta de peças nas linhas de montagem, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) alertou ontem para o risco imediato de paralisação de fábricas de veículos. Conforme a direção da associação que representa as montadoras instaladas no País, existe a possibilidade de linhas pararem nesta semana, o que afetaria o desempenho do setor no fim do ano.
"O risco de paralisação é muito alto agora para dezembro, inclusive, talvez, para esta semana", afirmou o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, que considerou a situação atual como preocupante. "Esse é um risco imediato, não é teórico", acrescentou o dirigente da associação de fabricantes, citando, em entrevista coletiva, problemas de abastecimento em insumos como aço, borracha, pneus e materiais plásticos.
Moraes, que no mês passado já tinha relatado a ocorrência de pequenas paradas na cadeia de suprimentos, informou que as montadoras seguem dando apoio a seus fornecedores, o que inclui, além de ajuda logística, a compra de matérias-primas que estão em falta e que tiveram aumento de preços.
Ele atribuiu o quadro de desabastecimento a um descompasso entre a retomada rápida da produção industrial e a capacidade de abastecimento dos fornecedores. Esse desequilíbrio poderia ser corrigido em um ou dois meses, mas sem evitar, porém, um impacto na produção na reta final do ano.
Além da falta de sincronia da produção entre os elos da cadeia, Moraes citou a interrupção do abastecimento de insumos importados em razão de contaminações por covid-19 no exterior. Um exemplo é o de um fornecedor na Inglaterra que teve a produção afetada pela segunda onda do vírus na Europa.
"A indústria está tentando mitigar o risco (de paralisação), mas milagre a gente não faz. Se faltar peça, a consequência será a dificuldade no faturamento de veículos. Existe o risco forte e pode acontecer em dezembro", assinalou o executivo.
<b>Dificuldades</b>
Moraes também voltou a ressaltar o aumento de custos na indústria automotiva, em razão de reajustes de insumos, especialmente o aço. "O aumento de aço vai na veia. É quase impossível não repassar esse custo. As siderúrgicas lançaram um bumerangue que pode voltar para elas na forma de queda de volumes", comentou o presidente da entidade, referindo-se ao impacto dos preços mais altos sobre a demanda por automóveis.
Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), concorda que a pandemia da covid-19 desorganizou as linhas de produção da indústria, pelo forte quadro de incertezas, que fez com que as expectativas quanto ao retorno da atividade econômica fossem muito negativas.
"Isso foi agravado por estoques muito baixos, já que as empresas tinham necessidade de compor seus caixas", diz. Ele explica, ainda, que as medidas emergenciais do governo para financiar as empresas tiveram problemas de implementação e todo mundo encolheu estoques, reduzindo a resiliência das cadeias produtivas.
Segundo Moraes, da Anfavea, os estoques nos pátios de fábricas e concessionárias, suficientes para apenas 16 dias de venda, estão no menor nível desde março de 2004.
Efeito covid. De janeiro a novembro, a produção de 1,8 milhão de veículos significou um recuo de 35% igual período de 2019. Mas as montadoras foram reagindo com o processo de retomada da economia. No mês passado, a produção atingiu 238,2 mil unidades, entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus. É um crescimento de 0,7% em relação a outubro e o melhor resultado em 13 meses, ainda de acordo com a Anfavea. Mesmo em relação a novembro do ano passado o número também é positivo: alta de 4,7%.
Desde outubro de 2019, quando foram montadas 288,5 mil unidades, as montadoras não registravam volume tão alto. Esta é também a primeira alta da produção na comparação anual em 13 meses.
Cagnin avalia que um outro fator que causou impacto na produção foi a mudança de nível de taxa de câmbio este ano e pode ser que muitos dos bens importados virem demanda para o mercado interno. "Mas a falta de insumos tende a se amenizar na virada do ano, com a acomodação da demanda."
De acordo com a Ford, a produção está normal. A Fiat Chrysler (FCA) informa que não trabalha com um cenário de desabastecimento de peças por parte dos sistemistas. "A empresa mantém as fábricas de Betim (MG) e Goiana (PE) com linhas de montagem em dois e três turnos, respectivamente." Também procurada, a GM disse que não iria se manifestar sobre o cenário de falta de peças. As demais montadoras não haviam se pronunciado até o fechamento desta edição.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>