As forças russas em combate na Ucrânia se retiraram ontem da estratégica cidade de Liman, em Donetsk, em um revés significativo para Moscou apenas um dia depois de o presidente russo, Vladimir Putin, declarar que a região onde ela está localizada agora faz parte da Rússia.
A cidade de Liman faz parte do território anexado ilegalmente por Putin na sexta-feira: as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, além de Zaporizhzia e Kherson, ocupadas pelas tropas russas. Putin descreveu essas regiões em seu discurso na sexta-feira como "Novorossiya", ou Nova Rússia, colocando-a como parte do coração histórico do país.
Por isso, a fuga dos soldados russos é embaraçosa e coloca pressão adicional sobre o Kremlin, que vem enfrentando uma reação em casa em razão de suas perdas no campo de batalha e pelo recrutamento de centenas de milhares de homens para lutar na Ucrânia, invadida em 24 de fevereiro.
O Ministério da Defesa da Rússia justificou a retirada como uma medida para evitar um cenário pior para o Kremlin, no qual as tropas russas ficariam presas. "Devido ao risco de serem cercados, as forças aliadas foram retiradas para locais mais vantajosos", disse o ministério em comunicado publicado no Telegram.
Liman, que foi tomada pela Rússia em maio, serve como o principal centro ferroviário para o Donbas, a região rica em minerais em Donetsk e nas províncias vizinhas de Luhansk, que há muito tem sido o foco dos objetivos de guerra de Putin. A capacidade da Ucrânia de recapturar Liman é a prova mais significativa de que a capacidade da Rússia de controlar o Donbas é tudo menos certa.
Com Liman sob controle ucraniano, a batalha pelo Donbas entra em uma nova fase. A recaptura da cidade significa que as tropas da Ucrânia estão em vantagem para recuperar território antes que o inverno chegue. O próximo alvo, se os militares ucranianos continuarem seu avanço, será Svatov, uma cidade a nordeste de Liman, para onde os russos recuaram. Segundo analistas, essas retomadas garantiriam o controle de 40% do território de Donetsk para a Ucrânia.
<b>DISSIDÊNCIA RUSSA</b>
Dois poderosos apoiadores do presidente Vladimir Putin se voltaram contra a liderança militar da Rússia no sábado, depois que ela ordenou a retirada de Liman, um sinal evidente da dissidência dentro da elite russa que surge quando o Kremlin tenta projetar uma imagem de força e unidade.
Ramzan Kadirov, o líder da República da Chechênia, no sul da Rússia, escreveu no aplicativo de mensagens Telegram que o alto escalão militar da Rússia havia "dado cobertura para um general incompetente" que agora deveria ser "enviado para a frente para lavar sua vergonha com sangue". Ele também defendeu que o Exército russo utilize "armas nucleares de baixa potência" na Ucrânia.
Yevgeni Prigozhin, o magnata dos negócios próximo a Putin que lidera o Grupo Wagner – um exército de mercenários que lutam pela Rússia em várias guerras – divulgou um comunicado uma hora depois declarando que concordava com Kadirov. "Mande todos esses pedaços de lixo descalços com metralhadoras direto para a frente", disse Prigozhin em referência aos líderes militares russos.
PRESSÃO
A liderança militar do Kremlin, incluindo o ministro da Defesa Sergei Shoigu, um colaborador próximo de Putin, tem sido criticada nos últimos meses por aliados de Putin e blogueiros russos pró-guerra, que os veem como burocratas corruptos fracassando como estrategistas militares. Essa crítica se expandiu após o recuo da Rússia no nordeste da Ucrânia no mês passado.
Mas a fúria após a perda de liman foi acima do normal. Yegor Kholmogorov, um analista militar russo, escreveu no Telegram que "qualquer retirada parecerá um mau presságio contra o pano de fundo dos eventos em Moscou". Depois que a Rússia confirmou a retirada, Yevgeni Primakov, influente ex-primeiro-ministro e ex-chefe da Inteligência russa, escreveu no Telegram: "demos uma cidade russa ao inimigo pela primeira vez desde a 2ª Guerra".
Segundo analistas, as críticas públicas de Kadirov e Prigozhin aumentam a pressão interna por uma escalada na guerra, que pode ser perigosa. (Com agências internacionais).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>