A invasão do Congresso americano por extremistas pró-Donald Trump no dia em que o Senado confirmaria o democrata Joe Biden como novo presidente dos Estados Unidos jogou luz à discussão sobre a solidez daquela que é considerada a maior democracia do mundo. Para Adam Przeworski, autor do livro Crises da Democracia, agora os EUA não podem mais "se vender como bastião da democracia".
<b> A invasão do Congresso mostra a fragilidade das instituições americanas?</b>
A insurreição mostra mais a polarização na sociedade, a existência de uma fatia fanática considerável dentro da direita política. As regras das eleições americanas são incoerentes e incompletas, mas foram suficientes no passado. O que é novo é o candidato derrotado se recusar a ceder o poder, e isso abriu um conflito em torno dessas regras.
<b> O sr. acredita que a democracia nos EUA está em perigo?</b>
A democracia sempre foi fraca nos EUA, em grande parte por conta da exclusão de grandes segmentos da população das instituições políticas. Os efeitos dessa crise são difíceis de prever. Por um lado, o governo Biden não será visto como legítimo por boa parte da sociedade. Por outro, deve haver uma forte coalizão bipartidária de centro para unificar o país.
<b> Qual o impacto, em outros países, do que ocorreu?</b>
Os EUA já haviam perdido muito de seu "soft power" por causa de Trump e, particularmente, de sua maneira em lidar com a pandemia. Agora, os EUA não têm mais condição de se vender como bastião da democracia, certamente não como um sistema que deva ser seguido por outros países.
<b> Como avalia a coexistência entre democracia e capitalismo?</b>
Muitas pessoas desde o século 17 pensavam que eram incompatíveis, pelo fato de o capitalismo ser um sistema de economia desigual e a democracia, de igualdade política. Pensavam que a democracia era uma ameaça letal ao capitalismo. Mas, no fim, isso se provou não ser verdade. Temos 13 países no mundo nos quais o capitalismo e a democracia coexistiram por mais de 100 anos de forma relativamente pacífica. A relação sempre será tensa, haverá conflitos entre os sistemas de produção e distribuição de renda, mas a coexistência é possível.
<b> E com o socialismo?</b>
Em princípio, acho que é possível, acreditei toda minha vida que sim. Mas tivemos vários exemplos, principalmente em meados dos anos 60, que não funcionaram. Se por socialismo você se refere à centralização de recursos, não vimos um experimento que tenha sido bem-sucedido.
<b> Existe um ponto em comum entre crises democráticas de diferentes países?</b>
Democracia para mim é um sistema de resolução temporária de conflitos por meio de eleições. Para que esse sistema funcione, algo deve estar em jogo na eleição, mas não muita coisa. Se perder é muito doloroso para os perdedores e os vencedores não dão aos perdedores temporários uma chance de vitória no futuro, então as eleições não funcionam como um mecanismo, os conflitos saem das instituições e vão para as ruas.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>