Antonio Fagundes liga pontualmente na hora marcada para conversar com a reportagem do <b>Estadão</b>. Nenhum estranhamento, pois o ator se tornou conhecido pela rigidez com que controla o horário de seus compromissos, especialmente o do início de seus espetáculos. "O filósofo Roland Barthes já dizia que Fazer esperar é prerrogativa do Poder, o que não é o meu caso", diverte-se ele que, no entanto, se prepara para exibir personagens marcados justamente pela governança.
Em setembro, a partir do dia 7, Fagundes poderá ser visto na minissérie Independências, que terá 16 episódios e vai ser exibida pela TV Cultura. Já em novembro e dezembro, o ator vai gravar em Alagoas o longa Deus é Brasileiro 2, sequência do filme dirigido por Cacá Diegues em 2003 – Fagundes viverá novamente o Todo Poderoso. Antes disso, a partir desta quinta, 18, o ator retorna com a peça Baixa Terapia, que alcançou grande sucesso (cerca de 300 mil espectadores) nos três anos em que ficou em cartaz antes da temporada ser interrompida pela pandemia, em 2020.
"São papéis que dialogam muito com nosso tempo presente", comenta Fagundes. "D. João, por exemplo, era uma figura trágica, obrigada a tomar decisões para as quais não estava preparado, enquanto o mundo explodia à sua volta", observa ele, elogiando a condução do projeto por Luiz Fernando Carvalho, que recebeu carta-branca para criar uma reflexão sobre um momento histórico, a Independência do Brasil, marcado por uma sucessão de eventos trágicos. "É um diretor que valoriza a palavra e o trabalho dos atores, isso reforça a dramaticidade."
A minissérie, aliás, vai trazer um roteiro com informações atuais – como o do envenenamento de D. João VI, que só foi confirmado no início dos anos 2000, após a exumação de seu cadáver. É um fato que altera a história oficial e que vai impactar diretamente na nova dramaturgia histórica proposta pela série.
<b>ERROS</b>
Já Deus é Brasileiro 2 terá o alívio da comédia para retomar a história originalmente criada pelo escritor João Ubaldo Ribeiro (O Santo que Não Acreditava em Deus), em que o Todo Poderoso, cansado de tantos erros cometidos pela humanidade, decide tirar férias e busca no Brasil – afinal, uma nação tão religiosa – um substituto para esse período. Fagundes retoma o papel do altíssimo, mas observa que a tarefa divina agora é mais árdua que a de 2003, quando o primeiro longa foi rodado. "Hoje, é mais difícil ser Deus e ainda brasileiro: é muito trabalhoso", brinca.
A explicação pode ser encontrada na peça Baixa Terapia, que retoma sua trajetória no palco do Tuca. Escrita pelo argentino Matias del Federico, a comédia reúne três casais que não se conhecem e que se encontram inesperadamente em um consultório para sua sessão habitual de terapia. O horário é da sessão habitual, mas a psicóloga não aparece, apenas deixou a sala preparada para recebê-los com um pequeno bar onde não falta uma boa bebida e uma mesa com envelopes, contendo instruções de como eles deverão conduzir essa sessão.
O objetivo é que todas as questões sejam resolvidas em grupo e cada envelope traz uma situação mais engenhosa que a outra. Com isso, a sessão se transforma em um caos hilariante. "E o final ainda é surpreendente, vai deixar muita gente boquiaberta e pensativa", diverte-se Fagundes, sem alimentar o spoiler.
<b>CORDIALIDADE</b>
Animados com a bebida, os três casais de distintas idades logo trocam a boa educação por gestos e comentários egoístas, revelando que todos ali buscam solução para seus problemas que, se inicialmente são negados ou estão escondidos, aos poucos acabam escancarados, promovendo a popular "lavagem de roupa suja".
"Com isso, vão por terra as mais caras ilusões sobre a cordialidade da civilização ocidental", comenta Fagundes. "Isso se tornou mais acentuado depois da pandemia, com o aumento da violência doméstica, do excesso do machismo. E, durante muito tempo, engolimos essa falsa cordialidade sem prestar atenção da sua inexistência."
Fagundes divide o palco com Ilana Kaplan, Mara Carvalho, Alexandra Martins, Fábio Espósito e Guilherme Magon, atores de gerações distintas, o que permite observar um pequeno mas interessante contraste na forma de interpretar.
Há ainda o desafio de se fazer rir. "O drama é catártico: o público chora e vai embora. Já o humor faz a pessoa pensar sobre o que a fez gargalhar, daí a dificuldade desse gênero. E é por isso que os poderosos têm tanto medo dos comediantes", conta Fagundes, que vai retomar também as visitas guiadas pelos camarins antes do espetáculo e os debates após.
As dificuldades financeiras, porém, são maiores agora, especialmente no esquema adotado pela produção conduzida por ele e seu filho Bruno Fagundes, que não usam leis de incentivo. "A desconstrução da Cultura no Brasil foi profunda, a retomada vai demorar. Só não podemos dar um passo adiante e dois atrás."
<b>Baixa Terapia</b>
Teatro Tuca
Rua Monte Alegre, 1.024.
Tel. (11) 3670-8470.
5ª e 6ª, 21h. Sábado, 20h.
Domingo, 17h. R$ 120 / R$ 150.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>