A crise econômica que levou mais de 12 milhões de brasileiros ao desemprego provocou também uma alta de 44,8% no volume de pedidos de recuperação judicial – incluindo empresas envolvidas na Operação Lava Jato, como a OAS – e reforçou a estratégia de um desembargador paulista que prega a instalação de varas especializadas para esse tipo de ação. Amanhã, o Conselho Superior da Magistratura – colegiado de cúpula do Tribunal de Justiça de São Paulo – põe em pauta proposta de instalação de mais uma Vara de Falência e Recuperação Judicial, a terceira.
“A crise, de todas que já vimos, é a mais grave até agora e isso envolve profundamente a área empresarial”, alerta o desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, professor de direito comercial na PUC-SP e da São Francisco e corregedor-geral do TJ de São Paulo. Estudo da Serasa Experian mostra que, no ano passado, 1.863 empresas pediram recuperação judicial, alta de 44,8% ante 2015. Segundo a Serasa, o setor de serviços foi o que registrou o maior volume de demandas, com 713 pedidos, seguido por comércio (611) e indústria (446).
Em relação às falências, o comércio liderou entre os setores, com 746 pedidos no ano passado, contra 700 de 2015. Entre as indústrias, os pedidos subiram de 644 para 676, entre 2015 e 2016. No comércio, o total subiu de 416 para 424, na mesma comparação. O estudo por setores, informa a Serasa Experian, foi produzido a partir do levantamento mensal das estatísticas de falências – requeridas e decretadas – e das recuperações judiciais e extrajudiciais na Justiça dos Estados.
Relevância
Aos 66 anos, dos quais 41 dedicados à magistratura, Manoel de Queiroz Pereira Calças, paulista de Lins, exerce há um ano o cargo de corregedor-geral do TJ de São Paulo. O desembargador é defensor da necessidade de instalação de varas empresariais, braço do Judiciário que lida com os reflexos da crise.
“A previsibilidade e a segurança jurídica são fundamentais”, pondera. “Daí a importância das varas especializadas, formadas por gente capacitada, pessoal de alta formação moral. O empresário tem que saber onde e em que porta está batendo e quem vai decidir. Isso lhe dá segurança”, completa.
O Tribunal de Justiça de São Paulo mantém duas Varas de Falência e Recuperação Judicial. A intenção é instalar a terceira em dezembro. Com apoio do presidente do Tribunal – desembargador Paulo Dimas de Bellis Mascaretti – e de seus pares do Órgão Especial da Corte, Calças viu aprovada a conversão de três varas cíveis em empresariais. A meta é instalar duas delas em 2017.
“As duas varas de recuperação que hoje existem estão sobrecarregadas”, afirma Calças. “Queremos aproveitar o momento para, em um só tempo, eliminar o acervo relativo a demandas antigas e criar um espaço para que a competência da falência e da recuperação judicial seja ampliada, com mais juízes aptos a atuar nessas ações.”
Atuação
Ao longo de sua trajetória, o desembargador atuou praticamente em quase todas as áreas da toga. Chegou à Corte em 2005 e, desde então, compõe a 29ª Câmara e, cumulativamente, a 1ª Câmara Especial de Falências e Recuperações. A partir de 2011 acumulou ainda a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Entre suas atuais preocupações está a situação de asfixia das empresas, em especial as de pequeno e médio portes, que concentram 90% dos pedidos de recuperação.
Calças atuou em processos empresariais históricos, como Vasp e Parmalat. “O volume é extraordinário, fui relator da Parmalat e da Vasp. Houve caso envolvendo cifras de US$ 8 bilhões”, lembra. O magistrado vê no resgate da pessoa jurídica uma saída para o País assombrado pelo fantasma da recessão. Ele sabe de cor o artigo 47 da Lei 11.101, de fevereiro de 2005, que considera o cerne da lei que regula a recuperação judicial.
Diz o artigo 47: “A recuperação tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Para o magistrado, a lei “separa o conceito de empresário da empresa”. “O importante é salvar a pessoa jurídica, a fonte produtora, a atividade econômica”, assinala. “Você salva a organização empresarial, mesmo que isso custe o afastamento do dono da empresa ou do seu controlador.”
Redução da fila de processos
Relatório subscrito por dez juízes assessores da Corregedoria-Geral da Justiça, todos da equipe do desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, sustenta que a especialização de varas por assunto, além de segurança jurídica, também gera maior celeridade e qualidade técnica das decisões.
Tramitam nas varas cíveis do Fórum João Mendes 1.329 processos de falência, além de 60.172 incidentes. Aprovada a instalação da terceira Vara de Falências, a meta é que ela assuma o acervo de processos, dando a eles mais celeridade.
Após cerca de dois anos, a terceira vara passaria a receber processos novos, a serem distribuídos entre as três Varas de Falência e Recuperação Judicial.
Com a edição da Lei 11.101, em 2005, foram criadas em São Paulo as três Varas de Falência e Recuperação Judicial – duas delas instaladas até aqui. Na mesma época, entrou em operação no TJ a Câmara Reservada a Falências e Recuperações Judiciais.
No Rio, existem sete varas empresariais. “A especialização das Varas por matéria constitui um movimento que, nos últimos anos, vem ganhando corpo, com resultados positivos notoriamente reconhecidos”, aponta o relatório. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.