O Supremo Tribunal Federal (SF) avançou ontem no entendimento de que somente o porte de maconha deve ser descriminalizado no Brasil. E já há maioria para definir um critério objetivo (uma quantidade de droga), que diferencie usuário e traficante – provavelmente entre 25 e 60 gramas, mas isso é algo que só será definido ao fim do julgamento. O ministro Cristiano Zanin votou nesta quinta-feira, 24, por manter a criminalização, embora seja favorável à diferenciação.
O julgamento foi interrompido na sequência por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro André Mendonça. Mas Rosa Weber, presidente do Supremo, que seria a última a votar, adiantou o posicionamento, pois se aposenta compulsoriamente no próximo mês. O placar até o momento está em 5 a 1 pela descriminalização.
Logo no início da sessão, o ministro Gilmar Mendes, decano do STF e relator do processo, de repercussão geral, revisou seu voto inicial de 2015, para buscar uma redação que reunisse as contribuições feitas por ele e pelos outros três ministros que haviam votado anteriormente pela descriminalização (Luís Roberto Barroso, Edson Facchin e Alexandre de Moraes). Dessa forma, defendeu que a decisão se restrinja à droga que é foco da ação, a maconha. Também com os demais ministros propôs a posse de até 60 gramas como limite de consumo, tese defendida neste ano por Alexandre de Moraes, na retomada da análise – caso não estejam presentes outros elementos que indiquem que se trata de tráfico.
No caso concreto que está sendo julgado, do Estado de São Paulo, mas que valerá para todo o País, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com 3 gramas de maconha.
<b>Invasão de competência</b>
O decano ainda aproveitou para rebater as críticas que recebeu por defender que a criminalização do porte seja considerada inconstitucional. "O evento foi objeto de muita desinformação, potencializada pelas disputas ideológicas e moralismos que orbitam esta delicada controvérsia", disse o ministro ao acrescentar que as críticas ao tribunal são "absolutamente infundadas".
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou a se manifestar publicamente contra o julgamento no mês passado. O senador defende que a regulação das drogas cabe ao Congresso Nacional e não deveria estar sendo discutida no STF.
Antes da retomada da votação, o relator defendeu o "diálogo institucional" e negou uma invasão de competências do Legislativo. "Não houve, em nenhum momento, um gesto do tribunal em direção à liberação de entorpecentes nem mesmo qualquer espécie de avanço indevido sobre as competência do Congresso Nacional quanto ao reconhecimento do caráter ilícito do porte drogas, ainda que para consumo próprio."
<b>Fake News</b>
O ministro também afirmou que o julgamento tem sido alvo de fake news. "Como se a proposta apresentada representasse um aceno do Poder Judiciário à liberação das drogas ou um salvo-conduto para o uso indiscriminado em vias públicas de substância psicotrópica", reagiu. "Não há um direito a drogar-se e permanecer drogado."
O decano também voltou a defender que os esforços no combate às drogas sejam deslocados do campo penal para o da saúde pública. "É necessário conjugar esforços para, sem moralismos ou preconceitos, arquitetar uma solução multidisciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção ao uso de drogas, atenção especializada e reinserção social", afirmou. "O que se busca é uma solução eficaz e constitucionalmente adequada desse grave drama social."
Assim como os demais ministros favoráveis à descriminalização, ele destacou o grande número de pessoas levadas à cadeia sem outros indicativos de tráfico além do porte. Os ministros também destacaram a necessidade de o Estado combater as grandes organizações criminosas e patrulhar as fronteiras – uma vez que a maior parte das drogas aqui consumidas vem de outros países da América do Sul.
<b>Votos de ontem</b>
Recém-chegado à Corte, Cristiano Zanin foi quem abriu a divergência, votando pela manutenção do artigo da Lei de Drogas que prevê sanções administrativas a usuários. Mas admitiu que seja colocado como critério para identificar o usuário com base no porte de 25 gramas de maconha, ou 6 plantas fêmeas – nos debates posteriores aceitou, porém, que seja construído um consenso sobre a quantidade com os demais ministros.
Na sequência, André Mendonça pediu vista e tem 90 dias para devolver a ação. Se não respeitar o prazo, o processo será liberado automaticamente para ser incluído novamente na pauta. Rosa, porém, pediu a palavra, pois queria dar seu voto antes da aposentadoria compulsória, que ocorre em setembro.
A presidente do Supremo Tribunal Federal seguiu o voto do relator e dos demais ministros, sendo a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Ela afirmou que decidir o contrário seria "transformar todo usuário de entorpecente em potencial traficante e criminoso". "A autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida por interferências sociais ou estatais."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>