A menos de um mês do início da Olimpíada do Rio, o Brasil não tem um plano de legado efetivo para aproveitar as instalações esportivas após os Jogos, afirma o Tribunal de Contas da União (TCU). Apesar de vir alertando o Ministério do Esporte desde 2013 para o risco de desperdício de recursos públicos, a utilização, gestão e as fontes de recursos para custear cada estrutura ainda estão indefinidas.
Para o ministro e relator do processo sobre o caso no tribunal, Augusto Nardes, há um grande risco de se repetir o que aconteceu em Atenas, na Grécia, em 2004, ou até mesmo na Copa do Mundo de 2014 com a “criação” de elefantes brancos. “Foi entregue uma coisa muito pobre. Demonstra que não houve planejamento adequado e as avaliações de riscos das decisões tomadas lá atrás foram desconsideradas. E olha que, ao todo, o evento vai custar uns R$ 40 bilhões. Não foi por falta de aviso, foi por falta de integração”. Um novo plano de legado detalhado e realístico deve ser entregue ao tribunal até o começo dos Jogos, no dia 5 de agosto.
Até o momento, o plano apresentado pelo ministério consiste na criação do Instituto Brasileiro do Esporte (Ibesp), no molde de uma organização social. Ele cuidaria das estruturas do Centro Olímpico de Treinamento, na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), e do Complexo Esportivo de Deodoro (zona norte). Antes do instituto, surgiram algumas ideias, como a “Universidade do Esporte”, com base em estudos encomendados para a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mas elas ficaram pelo caminho devido aos altos custos, entre outras questões.
O TCU considera que o Ibesp está só no rascunho e não pode nem ser considerado uma proposta oficial, já que o Esporte não sabe quem dos setores público e privado deve participar da discussão para que ele seja formalizado. Segundo o tribunal, não há documentos concretos e homologados nem estudos técnicos e econômicos.
Por exemplo, o ministério citou que o Centro Olímpico de Tênis no Parque Olímpico da Barra vai ser usado regularmente, porém nunca conversou a fundo com a Confederação Brasileira de Tênis (CBT). Após os Jogos, a estrutura contará com 125 salas, uma arena de 10 mil lugares e outra de 3 mil, mais seis quadras menores. A CBT diz que entregou, no final do ano passado, uma proposta de gestão para os governos estadual e municipal do Rio e o ex-ministro interino do Esporte e ex-secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento, Ricardo Leyser, mas nunca recebeu resposta. O projeto prevê um período de concessão à CBT, que se dispõe a encontrar recursos para manter o centro, pois vários tenistas profissionais brasileiros já treinam na capital fluminense.
Procurado pelo jornal O Estado de S.Paulo, Leyser não se manifestou. O ex-ministro do Esporte George Hilton disse, em nota, que a conclusão de sua parte do plano de legado foi inviabilizada com a exoneração do cargo, que também “o impede de se manifestar sobre o status do documento”. Ele ainda deseja “que o clima de festividade se sobreponha a qualquer entrave político”. Ambos são considerados pelo tribunal os principais responsáveis pela ausência de um projeto efetivo. As defesas deles serão ouvidas novamente, mas não devem escapar de multas, segundo Nardes.
O atual ministro do Esporte, Leonardo Picciani, disse que “de fato, muito pouco foi feito”. Ele afirmou que o primeiro ato dele como ministro, em maio deste ano, foi formar um grupo de trabalho, que agora está detalhando o plano com a Prefeitura do Rio. “Já teve uma boa aceitação entre os técnicos do TCU. Nós o apresentaremos em tempo hábil”. A pasta não quis comentar se dará continuidade ao Ibesp nem o porquê de não haver registros formais sobre o projeto apresentado. A pasta também não falou sobre a falta de resposta à proposta da CBT. Disse apenas que instalações e equipamentos formarão a “Rede Nacional de Treinamento”.
LIMINAR – O Ministério Público Federal do Rio também entrou com um pedido de liminar contra a União, Estado, município e Autoridade Pública Olímpica (APO) para que apresentem um plano consistente dentro de 20 dias sob risco de multa diária de R$ 10 mil. Para o procurador da República, Leandro Metedieri, era preciso uma medida mais drástica. “Está longe de ser a situação ideal. Ou eles não têm um plano, que é o meu grande receio, ou não têm nada bom. Algum motivo há. Há diversas denúncias de que a Olimpíada não está sendo feita em benefício da cidade do Rio”.
A APO afirmou que ainda não foi notificada da ação e, portanto, não vai se pronunciar. A Casa Civil do Estado do Rio não respondeu aos questionamentos do jornal O Estado de S.Paulo até a publicação desta reportagem.
A Prefeitura contesta a ausência de um plano de legado e diz que promoverá usos educacionais e comunitários nos locais dos Jogos. Segundo o governo municipal, das nove instalações do Parque Olímpico, sete serão mantidas. Depois da Olimpíada, serão acrescidas uma pista de atletismo, duas quadras de vôlei de praia e um alojamento para atletas de alto rendimento e de base.
A consultora Ernst & Young será a responsável por determinar o modelo econômico e de governança das arenas esportivas por meio de parcerias entre o poder público, empresas privadas e o Comitê Olímpico do Brasil (COB). O edital de licitação para o desenvolvimento do projeto foi lançado em 30 de junho deste ano. Porém, na nota enviada pela Prefeitura, não há menção direta ao Ministério do Esporte, ao Ibesp nem à “Rede Nacional de Treinamento”.