Nelson Xavier, morto aos 75 anos, foi dos grandes atores contemporâneos do Brasil. Seu jeito discreto e contido de interpretar marcaram suas participações no teatro, no cinema e na TV. Formado no Teatro de Arena, uma das fontes de renovação das artes brasileiras nas décadas de 1950 e 1960, Nelson sabia que a emoção devia ser buscada em suas camadas mais profundas e nunca gritada de maneira ostensiva, o que apenas servia para banalizar sentimentos.
Era um ator político, por formação; ou seja, buscava a emoção, mas sempre associada a algum tipo de reflexão. Em seu início no teatro, chegou a escrever peças, como “Mutirão em Novo Sol”, sobre conflitos de terra no interior de São Paulo. Mais tarde escreveu “O Segredo do Velho Mundo”, refletindo sobre o papel da esquerda sob o impacto do golpe militar de 1964.
Teve papeis marcantes na TV, como na minissérie “Lampião e Maria Bonita”, na qual contracena com Tania Alves para formar o mais famoso casal do cangaço. Ou como o delegado Queiroz na novela “Pedra sobre Pedra”, em que dá asas a sua veia cômica. Foi também um líder budista, Ananda, na novela “Joia Rara”.
No cinema, trabalhou sob a direção de diretores como Ruy Guerra, Domingos Oliveira, Hector Babenco e Bruno Barreto, entre muitos outros. Com o primeiro fez uma dupla de filmes marcantes na história do cinema brasileiro – “Os Fuzis” (1963) e “A Queda” (1976).
“Os Fuzis” é considerado uma obra-prima do nosso cinema e nele Nelson Xavier faz um dos soldados destacados para proteger um armazém de mantimentos de camponeses famintos, que tentam saqueá-lo. Mais tarde, os personagens de “Os Fuzis” são reencontrados na cidade grande, trabalhando na construção civil. Nelson é um deles, o ex-soldado Mario.
O filme chegou a ser proibido pela censura brasileira e ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim. A colaboração com Guerra se estende também no alegórico “Os Deuses e os Mortos”.
O ator trabalhou também com Leon Hirszman em “A Falecida”, adaptação da peça de Nelson Rodrigues. Neste filme faz um agente funerário cínico e malandro.
Durante toda essa fase da carreira, Nelson alterna o trabalho no cinema e na TV. Enquanto se transforma em um dos principais nomes do Cinema Novo, faz-se presente no palco em montagens famosas como “Toda Nudez Será Castigada”, dirigida por Ziembinski. Leva para o cinema peças de Plínio Marcos como “Dois Perdidos Numa Noite Suja” e “Navalha na Carne” (1969) – esta simultaneamente interpretada no teatro ao lado de Tônia Carrero.
Versátil, Nelson Xavier atua sob a direção de Hugo Carvana na comédia “Vai Trabalhar Vagabundo”, no qual interpreta o malandro Babalu, um jogador de sinuca.
Um trabalho internacional interessante foi “O Testamento do Senhor Napumoceno”, dirigido pelo português Francisco Manso, em adaptação de um romance do escritor cabo-verdiano Germano de Almeida. Um delicioso papel agridoce, valorizado pelo jeito cool de Xavier.
Mais recentemente esteve no ótimo filme de Lili Caffé, “Narradores de Javé”, em que conta as aventuras de Antonio Biá, porta-voz, digamos assim, do conflito de uma localidade entre a tradição e o progresso voraz e destruidor.
Grande sucesso recente foi “Chico Xavier” (2010), de Daniel Filho, em que é quase “tomado” pelo personagem espiritualista. O filme, que investe no filão do mercado espírita, ganha toda dignidade com sua interpretação.
Nelson viveu um papel difícil em “A Despedida”, de Marcelo Galvão, no qual interpreta um nonagenário que faz uma última visita à sua amante muito mais jovem, Juliana Paes. O trabalho é intenso, talvez um tanto arrastado, mas há quem ame o filme. Ganhou o prêmio de melhor ator por este trabalho no Festival de Gramado de 2014.
Nelson Xavier deixa um filme inédito, “Comeback”, dirigido por Erico Rassi, no qual faz um matador aposentado, que, por ressentimento, decide voltar à ativa. A estreia está prevista para 25 de maio.
Em suas múltiplas atividades, Nelson Xavier teve uma grande carreira e deixa saudades. Em particular por esse seu jeito calmo de interpretar, unindo emoção e reflexão, intensidade e elegância discreta. Era assim também como pessoa.