Um ponto final

"Seria a literatura moderna uma Escritura?", indagou o escritor judeu-americano Saul Bellow, em um artigo no New York Times, em 1959. "Seria a crítica literária o Talmude, a teologia?" Embora Bellow não ouse responder a essas perguntas, a comparação do ofício de crítico ao do estudioso das Escrituras pode ser uma boa forma de enxergar a trajetória intelectual de Alfredo Bosi, morto na quarta-feira, 7, aos 84 anos, vítima de complicações decorrentes da covid-19.

Membro da Academia Brasileira de Letras desde 2003, ocupando a cadeira nº 12, Bosi sempre atuou como um verdadeiro exegeta da literatura brasileira e, por consequência, intérprete do enigma que é o Brasil a partir de seus livros.

Nascido em São Paulo, em 1936, Bosi seguiu sua ascendência italiana e, após a formação em Letras pela USP, em 1960, passou um ano em Florença para estudar a literatura do país que, ao lado da produção nacional, sempre o acompanharia ao longo da vida acadêmica.

Entre 1963 e 1970, Bosi ficou encarregado da seção Letras Italianas do Suplemento Literário do <b>Estadão</b>, onde escreveu a respeito de grandes autores como o dramaturgo Luigi Pirandello e o poeta e ensaísta Giacomo Leopardi, a respeito dos quais ele produziu teses de doutorado e livre-docência, respectivamente. Durante esse período, Bosi lecionou Literatura Italiana na USP.

Ainda na década de 1960, paralelamente a essa atividade, ele passou a se debruçar cada vez mais ao estudo da literatura brasileira, tarefa que culminaria em um de seus grandes trabalhos: a publicação, em 1970, de História Concisa da Literatura Brasileira que, a despeito do título despretensioso, se tornou uma obra de referência nos estudos literários do País. Não é por acaso que, no mesmo ano, Bosi passou a lecionar a disciplina na USP e, a partir da década de 1970, se dedicaria à literatura nacional em outros estudos de grande relevância, como O Ser e o Tempo da Poesia, de 1977, e Céu Inferno: Ensaios de Crítica Literária e Ideológica, de 1988.

Um dos principais méritos de sua crítica foi, por meio de um pensamento dialético, atrelar as questões sociais, políticas e econômicas do Brasil à reflexão e interpretação das obras literárias sem cair no panfletarismo e muito menos abrir mão do reconhecimento estético. Esse seu movimento resultou, em 1992, na publicação de Dialética da Colonização, obra vencedora do Jabuti e que coroou sua trajetória ao buscar a compreensão do Brasil por meio da cultura. Essa postura de intérprete do País rendeu alguns de seus estudos mais recentes, como Literatura e Resistência, de 2002, Ideologia e Contraidelogia, de 2010, e Entre a Literatura e a História, de 2013.

Simultaneamente a essa fase, seu interesse crescente pela obra de Machado de Assis o fez publicar trabalhos como Machado de Assis: O Enigma do Olhar, de 1999, e Brás Cubas em Três Versões, de 2006. Bosi contribuiu para o debate acerca da literatura do Bruxo do Cosme Velho e chegou até a protagonizar, com outro crítico ilustre, Roberto Schwarz, polêmicas a respeito das interpretações de Machado.

Desde a morte de sua mulher, a professora Ecléa Bosi, em 2017, a saúde de Alfredo Bosi estava frágil. Ele morreu em São Paulo, onde estava internado após ser contaminado pelo novo coronavírus.

<b>REPERCUSSÃO</b>

Foi um dos maiores intelectuais do País, um ser humano da mais alta envergadura, de quem tive a honra de tê-lo tido como um de meus mestres
Antonio Carlos Secchin,
CRÍTICO E POETA

Bosi é um dos intelectuais que farão falta no futuro, quando formos reconstruir o País depois da pandemia
Marçal Aquino,
ESCRITOR E ROTEIRISTA

Nosso maior crítico e historiador literário depois de Antonio Candido
Sérgio Augusto,
JORNALISTA E ESCRITOR

Alfredo Bosi permanecerá referência incontornável
João Cezar de Castro Rocha,
CRÍTICO LITERÁRIO

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

Posso ajudar?