Mesmo absorvendo 5% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) arrecadado pelo Estado de São Paulo, o que equivale a cerca de R$ 4,6 bilhões neste ano, a Universidade de São Paulo (USP) gasta mais do que recebe só com a folha de pagamento e está paralisada há 107 dias por uma greve desencadeada pelo anúncio de que não haveria aumento salarial. A universidade mais conceituada do Brasil se tornou um saco sem fundo atendendo às exigências de verbas de suas unidades, sem levar em conta desempenho e prioridades.
O diagnóstico é de seis especialistas em Gestão e Educação, de dentro e de fora da USP, ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo. Com pequenas variações, a receita é a mesma: a sociedade, que paga essa conta, precisa tomar parte das definições de objetivos e prioridades, não só da USP, mas das outras universidades estaduais, que também estão em greve, e que absorvem outros 4,5% do ICMS: a Universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Como acontece em outros países, representantes do governo e da Assembleia Legislativa, da indústria, do comércio e dos serviços precisam ser ouvidos.
“Está para nascer modo de gerenciar mais incompetente, que não consiga cobrir nem a folha de pagamento com esse ervanário bilionário”, desabafa Gustavo Ioschpe, economista especialista em educação.
“Não se pode destinar fatia tão grande do orçamento do Estado para algo que não tem nenhuma ingerência do poder público. A USP não é diferente da polícia, de um hospital, da Secretaria de Transportes. Precisa comprovar a eficácia e o resultado social de seus gastos.”
“Nas entrelinhas de muitas declarações, tem a visão de que o Estado deve servir as universidades públicas. É o contrário. Elas é que têm de servir a população que financia a universidade”, salienta Ioschpe. Ele cita como exemplo do “descompromisso” da USP com os problemas sociais o fato de formar mal os professores, que vão para a rede pública de ensino fundamental, da qual saem alunos “tão despreparados” que a própria universidade se recusa a recebê-los.
Limites
“Como qualquer organização pública ou privada, a USP precisa ter uma planilha de custos e um plano de trabalho que caibam no orçamento e desenvolver parâmetros claros que possam mostrar a todos que os recursos estão sendo bem utilizados”, analisa Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, do Rio.
“A autonomia dada à universidade até aqui, de usar livremente os 5% do ICMS – um privilégio que pouquíssimas, ou talvez nenhuma universidade do mundo tenha, fora de São Paulo – tinha como suposto que ela usaria esses recursos com responsabilidade e transparência.”
“A crise da USP é típica do que ocorre com o setor público brasileiro”, observa Hélio Janny Teixeira, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP: “Desprezo pela gestão; crescimento inercial da massa salarial sem a correspondente produtividade; falta de indicadores claros e aversão aos cálculos de custo; participação coletiva baixa, simplista, sectária e imediatista”.
Gestão
As decisões são tomadas pelo Conselho Universitário, no qual o maior poder é exercido pelos diretores das unidades, explica Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Educação da USP. Além deles, participam representantes dos professores, estudantes e funcionários. “Essa democratização é distorcida, porque o principal stake holder (parte interessada), a população que paga esse trambolho de universidade que se tornou caríssima, não tem nenhum mecanismo de representação. O reitor é refém ou do colegiado ou do sindicalismo militantes”, afirma Elizabeth.
“O essencial não está sendo discutido: como mudar a governança da universidade, não para tirar o colegiado e colocar o poder na mão de uma só pessoa, mas para ampliá-lo e criar um contrapeso, um canal para negociar com a sociedade o que ela espera da universidade”, diz Elizabeth, que participa nesta semana em Roma do Consórcio de Pesquisadores em Educação Superior (Cher, na sigla em inglês).
A especialista afirma que em universidades dos países nórdicos e na Holanda, por exemplo, a gestão tem forte participação do governo e do empresariado.
O especialista em Gestão Educacional Eduardo Agrunhosa, coordenador de Planejamento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, cita a experiência da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que também é estadual e conseguiu estabelecer uma interação maior com as empresas privadas. Na visão dele, essa interação não só ajusta a produção da universidade às necessidades da sociedade, como também pode oferecer novas fontes de financiamento, por meio de convênios com o setor privado.
“A primeira reforma que precisa ser feita é na estrutura política organizacional, com participação mais efetiva da sociedade”, avalia Agrunhosa. Só assim, na visão dele, a USP será capaz de fazer um “balanço de gestão” e definir “que cursos requerem maior investimento e custeio para mantê-la no nível de notoriedade e excelência”.
Dívida
O economista Claudio de Moura Castro, assessor da presidência do Grupo Positivo, lembra a crise da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ocorrida alguns anos atrás. “Se não entra o bispo, o meirinho levava a cadeira e a mesa do reitor”, ironiza. “Essas instituições não evoluíram para um modelo de gestão eficaz. Se o reitor não tem força para gastar o que tem, e é obrigado a gastar o que não tem, significa que há algo muito errado na governabilidade.”
Na verdade, constata o economista, o reitor “manda pouco”: a decisão colegiada tem um efeito paralisante. “Ninguém responde por nada.” Pelo processo de listas tríplices de eleição, o reitor “entra com o rabo preso, dependente do apoio de departamentos e partidos”. Para completar, os sindicatos “são assombrações que impõem medo e não são representativos”.
Menos influência que o reitor, só mesmo o contribuinte paulista, que sustenta a USP.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.