Após nove anos de crescimento contínuo, o mercado de carros novos freou em 2013 e, desde então, só acumula retrações. Neste ano, pelas projeções do setor, as fábricas devem comercializar no País perto de 2 milhões de veículos, o que significará retroceder ao mercado de dez anos atrás, quando havia nove fábricas a menos do que hoje.
“A capacidade ociosa cresceu muito e, mesmo que ocorra uma recuperação do mercado, vai levar pelo menos uma década para o setor recuperar a plena capacidade”, diz João Morais, economista da Tendências Consultoria, especialista em setor automotivo. Ele lembra que o ambiente de insegurança afugenta o consumidor de bens de alto valor, como o automóvel. “O que o governo de Michel Temer precisa fazer é gerar um cenário de maior previsibilidade.”
Só assim consumidores como Lucas de Paula Francisco Grespan, de 26 anos, conseguirão levar adiante o plano de comprar um carro novo. No caso dele, o Corsa 2001 não atende mais às necessidades da família, principalmente após o nascimento da filha Lauryn, há11 meses. “Preciso de um carro mais seguro e mais confortável, com airbag e ar-condicionado, itens que o atual não tem”, afirma.
Ele fazia cotações de preço e de financiamento quando perdeu o emprego de motorista em uma empresa de fios de cabos elétricos em Santo André, no ABC paulista, há seis meses. Enquanto não consegue nova colocação, ajuda o cunhado em uma oficina mecânica, mas a renda caiu pela metade. “Não vou me arriscar agora e só vou atrás de outro carro quando conseguir trabalho com remuneração melhor”, afirma Grespan, que mora na casa da mãe com a esposa e a filha.
Bonanza. Não faz muito tempo o cenário era outro. Os anos de bonanza, regados a crédito farto, incentivos fiscais, aumento da renda e queda do desemprego elevaram o mercado brasileiro de um patamar de vendas de 1,57 milhão de carros e caminhões em 2004 (um ano após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir a presidência da República) para 3,8 milhões em 2012 (também um ano após a posse de Dilma Rousseff, afastada do cargo na semana passada).
A partir de 2013, o mercado começou a regredir. Foram vendidos 3,76 milhões de veículos, volume que baixou para 3,49 milhões no ano seguinte e para 2,56 milhões em 2015. Recuperar o nível recorde de 2012 vai levar ao menos uma década, preveem analistas do setor automobilístico.
De janeiro a abril deste ano as vendas caíram 27,9% ante igual período de 2015, somando 644,2 mil veículos. Assustados com o desemprego e com a confiança em baixa, consumidores desapareceram das concessionárias. A produção de veículos acompanha a queda drástica das vendas e hoje as montadoras operam com menos da metade de sua capacidade instalada, de cerca de 5 milhões de veículos anuais.
No ano passado, 14,4 mil trabalhadores foram demitidos pelas montadoras de veículos e máquinas agrícolas. Neste ano, até abril, já foram mais 1,4 mil.
As concessionárias cortaram 32 mil vagas em 2015 e 16,5 mil neste ano. As autopeças eliminaram 29,8 mil empregos no ano passado e projetam 8,4 mil cortes entre janeiro e dezembro.
Além disso, as montadoras mantêm 42 mil funcionários – 32% de seu efetivo – no Programa de Proteção ao Emprego (PPE, que reduz jornada e salários) e em lay-off (contratos de trabalho suspensos).
Na opinião de Morais, Temer pode começar a reverter esse quadro, por ter força política para restabelecer a governabilidade. Com isso, diz ele, será possível destravar parte do crédito e da demanda, especialmente de consumidores que aguardavam uma definição da crise para seguir adiante com seus planos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.