Estadão

Versão do orçamento secreto e repasse rápido favorecem aliados da gestão Lula

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou um ritmo acelerado no repasse de recursos herdados do orçamento secreto e favoreceu aliados políticos, inclusive ministros de Estado, ao liberar os repasses em áreas como saúde, assistência social e agricultura. Em alguns casos, o dinheiro caiu na conta das prefeituras 24 horas depois de ter sido reservado no orçamento, algo incomum na máquina pública.

Um dos beneficiados foi o Hospital Veredas, localizado em Maceió, com R$ 17,9 milhões. A diretora financeira do hospital, Pauline Pereira, é ex-prefeita de Campo Alegre (AL) e prima do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). O dinheiro foi empenhado no dia 29 de junho e no dia 30 já estava na conta da prefeitura de Maceió, responsável pela intermediação. A prefeitura, governada por João Henrique Caldas (PL), outro aliado do presidente da Câmara, mandou o recurso para a entidade menos de um mês depois, no dia 19 de julho. Enquanto isso, funcionários faziam greve na porta do hospital por causa de salários atrasados.

Alagoas, reduto de Lira, foi o Estado que mais recebeu recursos neste ano, principalmente do Ministério da Saúde – foram três vezes mais recursos do que São Paulo e mil vezes mais do que o Amapá. Em outros quatro ministérios (Agricultura e Pecuária, Educação, Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e Cidades), os ministros privilegiaram seus próprios Estados na hora de mandar o dinheiro. Além disso, houve concentração de empenhos do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional no Piauí, reduto do relator-geral do Orçamento. Já a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) privilegiou a Bahia, de onde é o deputado que apadrinhou o presidente do órgão no cargo.

<b>REPETIÇÃO</b>

Com o direcionamento e a falta de transparência nas transferências, o governo Lula adotou prática semelhante usada por seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), apesar de ter criticado o esquema durante a campanha eleitoral. O orçamento secreto, revelado pelo <b>Estadão</b>, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Congresso, no entanto, deu um jeito para garantir o mecanismo no Orçamento de 2023, com a sanção de Lula. Parte dos valores foi transferida para os ministérios, um total de R$ 9,85 bilhões. Em março, o <b>Estadão</b> antecipou a manobra do governo para manter a influência política e a falta de transparência nos repasses.

Antes da eleição presidencial do ano passado, Lula classificou o mecanismo do orçamento secreto como uma "excrescência". "Se é secreto, tem safadeza", afirmou o petista durante um discurso em maio, ainda na pré-campanha. Na época, o então candidato do PT ao Palácio do Planalto chegou a dizer que o Congresso era o "pior da história" e defendeu a retomada do controle do dinheiro federal pelo Poder Executivo, o que não aconteceu. Depois de eleito, Lula afirmou que as emendas não deveriam mais ser "secretas", mas foi aconselhado por aliados a parar com as críticas e a fazer uma aliança com Lira.

<b>PORTARIAS</b>

A manobra dos ministérios para favorecer os próprios titulares das pastas e outros aliados sem transparência consiste em alegar que o dinheiro não é de emenda e adotar os critérios de distribuição por meio de portarias internas. Assim, os municípios cadastram propostas para entrar no rateio. Nos bastidores, porém, o governo pode manobrar para favorecer aliados políticos. "As propostas são apresentadas pelos entes ou entidades interessadas, e não indicadas diretamente pelos parlamentares", afirmou a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República em resposta aos questionamentos do <b>Estadão</b>.

O Ministério da Saúde argumenta que o dinheiro liberado não é de emenda. A pasta baixou uma portaria com critérios para os municípios receberem os repasses. As prefeituras registram as propostas e o governo decide para onde vai o dinheiro. Mesmo com toda essa engenharia, ninguém explicou por que Alagoas foi o Estado mais beneficiado. "Lembrando que, com a maior parte dos recursos a serem distribuídos até o final do processo, é precipitado tirar conclusões de que algum Estado da Federação tenha sido beneficiado", disse o ministério, em nota.

<b>AGRICULTURA</b>

Outro repasse feito em tempo recorde ocorreu no Ministério da Agricultura. No dia 20 de julho, o órgão destinou R$ 5,3 milhões para a manutenção de estradas de terra em Canarana (MT), um dos redutos eleitorais do ministro Carlos Fávaro (PSD). Em 27 dias, o dinheiro já estava na conta da prefeitura. Dos R$ 277,5 milhões liberados pela pasta de Fávaro, praticamente a metade foi parar em Mato Grosso (R$ 135 milhões).

O Estado do ministro recebeu 285 vezes mais do que o vizinho Mato Grosso do Sul (R$ 473 mil), que também é um centro de produção agrícola. Outro polo agropecuário, o Rio Grande do Sul, vítima de uma estiagem e de três ciclones tropicais só neste ano, ficou com R$ 4,2 milhões, um valor 32 vezes menor. A assessoria de Fávaro não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem sobre os critérios adotados.

Também favoreceram seus próprios Estados os ministros da Educação, Camilo Santana (PT); das Cidades, Jader Filho (MDB); e do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias (PT). Santana destinou metade do dinheiro da Educação para o Ceará, com R$ 4,8 milhões de um total de R$ 9,8 milhões. Jader Filho priorizou o Pará, com 39% dos R$ 146,9 milhões destinados que eram do extinto orçamento secreto. No Desenvolvimento Social, o Piauí, Estado de Wellington Dias, foi o terceiro maior beneficiado, com R$ 35,6 milhões, atrás apenas de Goiás e da Paraíba.

O direcionamento causou críticas no Congresso, que se queixaram de ver os ministros do governo mandarem o dinheiro para os próprios Estados sem beneficiar as regiões dos parlamentares. Em média, todos os recursos que eram do orçamento secreto e que foram pagos caíram na conta das prefeituras em menos de um mês, de acordo com dados do Siga Brasil, sistema mantido pelo Senado. Em outros casos, prefeitos chegam a esperar até cinco anos para o dinheiro de uma obra ou projeto de investimento ser liberado.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou recentemente que o Brasil tem 14 mil obras paradas, muitas delas porque os recursos pararam de ser enviados. Problemas na licitação e fiscalização, além de restrição orçamentária e falta de vontade política, estão entre as razões da demora.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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