Variedades

Violão de Guinga desponta como porto para vozes femininas

Recém-chegado ao Brasil após apresentações na Suécia, o compositor, violonista e cantor Guinga ainda não tomou coragem de contar à sua mãe, Inalda, de 88 anos, que seu novo disco, Porto da Madama (com shows de sexta a domingo, no Sesc Pinheiros), é dedicado a ela. Há poucos meses, a mãe dele sofreu um derrame e teve a voz um pouco afetada. A dedicatória do álbum, 13º da carreira de Guinga, faz sentido quando o músico resgata a memória e se lembra de que, ainda criança, a primeira pessoa que ele acompanhava ao violão, em casa, era sua mãe.

Aos 65 anos, o compositor coleciona gravações importantes de sua obra por vozes femininas – desde a década de 1970 com Clara Nunes e Elis Regina e, posteriormente, com Elza Soares, Nana Caymmi, Alaíde Costa, Zezé Gonzaga, Miúcha, Leila Pinheiro (principal intérprete do cancioneiro dele), Fátima Guedes, Simone Guimarães, Paula Santoro, entre outras. Agora, em seu novo disco, é acompanhado por quatro cantoras reconhecidas no Brasil, caso de Mônica Salmaso, e no exterior: a norte-americana Esperanza Spalding, a portuguesa Maria João e a italiana Maria Pia De Vito.

“No fundo, fico procurando minha mãe nas cantoras. Com todo respeito a elas, mas minha mãe também cantava muito, foi a cantora com quem mais convivi”, diz Guinga, com voz embargada.

O título do álbum, lançado pelo Selo Sesc com direção artística de Luis Carlos Pavan, foi inspirado em uma antiga estação de trem do Rio, mas também faz menção às vozes femininas, às damas, às “madamas”.

“Meu violão foi um porto para elas virem, se ancorarem ali e, de alguma forma, se aproveitarem desse porto para fazer a música andar”, conta. Mais que isso, o título também surgiu de uma canção homônima, feita por Guinga após ver uma mulher grávida, à beira do Lago Paranoá, em Brasília, conversar com o filho que ainda viria a nascer. “Ali me ocorreu que a mãe é um porto e a embarcação está dentro dágua, pronta para ir ver o mundo.”

Pela primeira vez em quase 40 anos de carreira, esta é a primeira vez que Guinga grava, em um disco seu, canções que não são de sua autoria. Com arranjos inéditos para voz e violão, feitos pelo compositor carioca, Esperanza Spalding deu voz a Lígia, de Tom Jobim, e Serenata do Adeus, de Vinicius de Moraes, ensinada pelo próprio poeta a Guinga. “Ele tem a rara qualidade de um verdadeiro gênio. Como é inevitável em toda grande arte, mais e mais pessoas vão descobrir ao longo do tempo a magia em sua música”, diz Esperanza.

A portuguesa Maria João, que tem um disco gravado apenas com canções de Guinga a ser lançado na Europa em breve, interpretou Canção da Noiva, de Dorival Caymmi, além de cantar Cine Baronesa (Guinga e Aldir Blanc), Passarinhadeira (Guinga e Paulo César Pinheiro) e Contenda (Guinga e Thiago Amud). “Conheci a música do Guinga por meio de uma aluna minha que era fã dele. Fiquei completamente apaixonada”, conta Maria João.

Já a italiana Maria Pia De Vito (que também gravou um álbum, ainda não lançado, em que verteu algumas canções de Guinga para o napolitano) gravou a seresta Boa Noite Amor – clássico de José Maria Abreu e Francisco Mattoso na voz de Francisco Alves, na década de 1930, e que também teve registro antológico de Elis Regina nos anos 1970 – e a valsa Caprichos do Destino, de Pedro Caetano e Claudinor Cruz. “Conheci o Cruz na década de 1970, na casa dele. Sempre fui fã, melodicamente ele está muito próximo do Pixinguinha”, comenta Guinga.

“As melodias do Guinga são incríveis, suas composições são como um mundo completo. Tem a música popular brasileira, cujas raízes ele conhece profundamente, mas também seu amor pela ópera italiana e por clássicos napolitanos”, comenta Maria Pia De Vito, que ainda gravou Noturna (Guinga e Paulo César Pinheiro), e conheceu Guinga por intermédio do clarinetista italiano Gabriele Mirabassi, com quem o violonista lançou na Europa dois de seus discos mais importantes, Graffiando Vento e Dialetto Carioca.

Por fim, Mônica Salmaso – que lançou no ano passado um álbum com músicas da parceria do violonista com Paulo César Pinheiro – deu voz a Se Queres Saber (Perterpan), Ilusão Real (Guinga e Zé Miguel Wisnik), Porto da Madama (Guinga) e Dúvida, valsa de Luiz Gonzaga e Domingos Ramos, em interpretações mais naturais do que as das estrangeiras, que, cantando em português, soam um tanto quanto caricatas.

O fato de Porto da Madama não apresentar nenhuma composição inédita tem justificativa. Guinga começa a esboçar um novo disco autoral, nos moldes do elogiado Casa de Villa (2007). Se nenhuma gravadora brasileira se interessar, ele deve gravar pelo selo alemão Acoustic Music Records, o mesmo em que ele registrou seu álbum anterior, Roendopinho. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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