Após duas eleições presidenciais mais tranquilas, a recente volatilidade dos mercados financeiros causada pela disputa pelo Palácio do Planalto impressiona. Entre 20 de março, dia da primeira pesquisa de intenção de voto, e 1º de outubro, o dólar subiu 6,61%, a Bovespa avançou 11,80% – apesar de muita volatilidade – e a taxa do DI para janeiro de 2017 passou de 12,84% para 12,33%. Mesmo assim, essas oscilações estão muito longe daquelas vistas em 2002, quando a perspectiva da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quase levou o País à bancarrota. Na ocasião, no mesmo intervalo, o dólar saltou 53,94%, a Bolsa despencou 36,14% e o DI para janeiro de 2005 foi de 20% para perto de 35%.
Para se ter uma ideia do nervosismo dos mercados em 2002, no dia de maior variação no câmbio o dólar subiu 5,80% em 29 de julho. Neste ano, no pregão mais tenso a divisa registrou valorização de 2,01%, em 12 de setembro. Em 2002, a bolsa mostrou uma tendência contínua de queda que levou o Ibovespa de 14.089 pontos em março para 8.997 pontos em outubro. Neste ano, mesmo em meio a constantes altos e baixos, o índice ainda está ganhando do nível registrado em março – são quase 53.000 pontos atualmente, ante 47.278 pontos.
Analistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, apontam que existem diversas diferenças entre os cenários de 2002 e 2014. Enquanto naquela ocasião o mercado temia a entrada de um governo desconhecido e a possível ruptura da política econômica dos anos anteriores, agora o que mais tira o sono dos investidores é a possibilidade de continuidade da gestão atual, após 12 anos de governo do PT. Segundo especialistas, o grande risco naquele época era político, pois o governo Lula poderia romper com os fundamentos econômicos, que estavam relativamente saudáveis após a estabilização trazida pelo Plano Real. Hoje, a principal preocupação é com a deterioração das contas públicas e o enfraquecimento acentuado da atividade.
As oscilações vistas atualmente são atenuadas por mudanças que ocorreram nestes últimos 12 anos, como o rating de grau de investimento recebido pelo Brasil em 2008 e o avanço das reservas internacionais do País, que passaram de US$ 38,381 bilhões no início de outubro de 2002 para os atuais US$ 375,713 bilhões, o que inibe um ataque especulativo contra a moeda.
O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira afirma que o medo de o PT promover uma revolução levou os credores internacionais a suspenderem a rolagem da dívida brasileira em 2002, o que obrigou a uma desvalorização cambial muito forte para que o País não quebrasse. “A situação agora é completamente diferente, não há restrição de crédito nem fuga de capitais”, comenta.
José Carlos Amado, operador de câmbio da corretora Walpires, que atua no mercado financeiro há quase 30 anos, aponta que hoje em dia o BC tem mais instrumentos para tentar suavizar a volatilidade no câmbio, como as grandes reservas cambiais, e que isso dá maior tranquilidade aos investidores, que conseguem se preparar melhor. “Nesse meio tempo (desde 2002) o Brasil conquistou o grau de investimento e ainda existem outras coisas boas na nossa economia. O que acontece é que o mercado utiliza a eleição para especular. Mesmo assim, os fundamentos já apontavam para uma valorização do dólar, especialmente com a expectativa de normalização da política monetária nos EUA”, explica.
A realidade sobre a política monetária também é completamente distinta entre os dois períodos pré-eleitorais. Em 2002, a taxa básica de juros teve de ser elevada drasticamente para tentar conter a desvalorização do real e o salto na inflação. No fim daquele ano, a Selic estava em 25% o que, tendo em vista a expectativa de inflação de 12,46% no ano seguinte (que não se concretizou), gerava um juro real de quase 13% ao ano. Atualmente a Selic está em 11%, com a projeção para a inflação em 12 meses a 6,33%, o que dá um juro real de 4,67%.
Bresser Pereira aponta que, apesar da recente piora nos fundamentos econômicos brasileiros, o investidor estrangeiro não teme um calote do País, tendo inclusive uma visão mais positiva do que os participantes locais. “O mercado financeiro, tanto nacional quanto internacional, não tem medo da Dilma, apesar da atitude muito hostil dos operadores locais. Lá fora isso não acontece. Eles só querem saber onde podem ganhar dinheiro no curto prazo, sem risco do País quebrar”, explica.
O fluxo de capital estrangeiro também explica os diferentes comportamentos dos mercados nos dois períodos. No seu relatório trimestral de inflação no fim de 2002, o Banco Central apontava que os investimentos estrangeiros em carteira somavam saídas líquidas de US$ 4,2 bilhões de janeiro a novembro daquele ano. Este ano, ao contrário, o saldo é positivo. Segundo os dados mais recentes, no acumulado de janeiro a agosto, os investimentos em carteira mostram entrada de US$ 29,624 bilhões.
A entrada de capital estrangeiro ajuda a explicar o comportamento ainda positivo do Ibovespa em 2014. “Naquela época o estrangeiro não aplicava no Brasil o volume de hoje. O gringo é o grande comprador do mercado neste ano”, afirmou o operador de renda variável da Renascença Corretora, Luiz Roberto Monteiro, que atua no mercado desde 1979. Segundo dados da BM&FBovespa, em 2002 o investimento de estrangeiros na bolsa foi negativo em R$ 1,44 bilhão, enquanto em 2014 o fluxo é positivo em R$ 21,8 bilhões, de janeiro a setembro.
A abundância dos recursos estrangeiros pode ser explicada pela maior liquidez dos mercados internacionais, com investidores buscando alternativas ao cenário de juros baixos nos mercados desenvolvidos, enquanto algumas ações de companhias brasileiras ainda são consideradas “baratas” em comparação com ativos dos Estados Unidos e da Europa. “Por falta de alternativa, investidores estrangeiros andaram comprando ações ao redor do mundo”, afirmou um experiente operador do mercado de capitais.