Foram dois dias de chuva quase ininterrupta quando o Parque Brasil 500, em Paulínia, presenciou (e ouviu) a primeira música inédita do Faith No More desde Album of the Year, disco de 1997. Matador, na época, ainda sem nome, era soturna, como se saída de um western futurístico e sombrio, com introdução de piano e a voz fantasmagórica do versátil Mike Patton. Naquele 14 de novembro, no encerramento do terceiro dia do festival SWU, o gigante da década de 1990 dava os primeiros passos de um renascimento marcado Sol Invictus, primeiro álbum de inéditas em 18 anos. O trabalho chega às lojas do mundo todo no dia 18, mas já pode ser ouvido por streaming.
Em 2011, a banda conhecida pelas performances ao vivo estava em estado de inanição. Dois anos e uma turnê de reunião depois, o gás já não era o mesmo. Fizeram apenas quatro shows, na Argentina, Uruguai, Chile e, por fim, Brasil. O SWU já havia sido palco da melancólica despedida do Sonic Youth, que meses depois anunciou o fim, após o rompimento entre Kim Gordon e Thurston Moore. O Faith No More parecia, ou poderia, seguir o mesmo caminho, não fosse pela deliciosamente estranha canção escolhida para encerrar o show.
“Tocamos aquela música na turnê para vermos se nos sentíamos confortáveis”, conta Mike Bordin, baterista e um dos integrantes fundadores do grupo, em 1979, ao lado do baixista Billy Gould. A banda passou por diferentes formações até se estabelecer em 1996, com Roddy Bottum (teclado), Jon Hudson (guitarra) e, claro, Patton. O tempo havia voado desde que o FNM lançara o último disco. O grupo havia interrompido as atividades em 1998 e os integrantes passaram a se dedicar a outros projetos. Patton, por exemplo, pode dar vazão à sua criatividade de forma ampla, com Mr. Bungle, Fantômas e Mondo Cane.
Em 2009, a banda anunciou o retorno em uma turnê de reunião, mas, dois anos depois, havia sentido a necessidade de algo inédito. “Foi ali que tudo começou”, diz Bordin. “Quando tocamos aquela música, era o que tínhamos. Naquele ponto, não sabíamos se faríamos algo juntos, se comporíamos. Um disco é um compromisso massivo. Eram dez músicas.”
Ao fim daquela pequena turnê latina, o grupo debandou, mas a semente estava plantada. “Naquele ponto, começamos a nos falar: Você sentiu isso? Foi legal, não foi?”, revela o baterista. “É como se tivéssemos sentado em uma mesa, em um restaurante. Primeiro, pedimos as entradas para ver como era, ou seja, a Matador. Queríamos ver como seria divertido. Um passo por vez, sabe. Até cogitarmos pedir a refeição completa.”
Por mais que Patton estivesse reticente em voltar a lançar um disco do Faith No more, Bordin e Gould começaram a gravar algumas faixas. “Tudo encaixou tão bem”, conta o baterista. O restante da banda entrou no projeto, assim como Patton. Diferentemente de outros discos, contudo, o Faith No More não tem uma grande gravadora por trás. Isso, afirma Bordin, foi essencial. “Era libertador, não havia mais ninguém no estúdio, só a gente.”
Sol Invictus, cujas gravações foram mantidas em segredo até o anúncio, em maio de 2014, chega sob a chancela da Reclamation Records, selo de Patton, e foi produzido por Gould. Dezoito anos depois de Album of the Year, o grupo ainda soa como sempre: devastador, apoteótico e caótico. “Para nós, soamos de forma natural. Não estamos querendo ser um artista country, um rapper gângster ou um garoto de 18 anos aborrecido com os pais”, diz Bordin. Tanto tempo depois, o Faith No More está livre da pergunta: E aí, quando vocês vão lançar um disco? “Nossa, queriam saber isso todos os dias”, diz Bordin. “É libertador.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.