O ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares Lopes, solicitou que a Corregedoria da PM investigue o caso dos policiais filmados agredindo uma mulher em Parelheiros, no extremo sul da capital. Na ação, um dos policiais chega a pisar no pescoço da comerciante e a arrastá-la. "É repugnante. Repugnante. Aquilo não coaduna com a prática da atividade policial. A senhora já estava no chão, não tem sentido. É um absurdo", declarou ao <b>Estadão</b>.
Segundo Lopes, o órgão também vai acompanhar o andamento da ocorrência, que aconteceu no dia 30 de maio, e protocolou nesta segunda-feira, 13, pedido para que a investigação não seja feita só pelo batalhão de área. "Solicitei hoje que a Corregedoria central avocasse o caso para si", afirmou. O episódio veio a público após as imagens ser exibidas no Fantástico, da Rede Globo, no domingo.
Para o ouvidor, haveria falhas na abordagem dos PMs. "Costumo dizer que o bom procedimento é o quando o policial se protege e protege as pessoas envolvidas na ocorrência", disse. "Se houver algum tipo de ilegalidade, a pessoa deve ser levada para a autoridade policial, o delegado, e ter preservados os seus direitos como cidadã."
Lopes afirmou, ainda, que as gravações "falam por si só". "Até ouvi uma entrevista do porta-voz da PM dizendo que o que aquelas imagens mostram não correspondem ao protocolo da polícia. Claro que as pessoas envolvidas vão ter o direito de se defender, mas as imagens são muito impactantes e, na minha opinião, repugnantes."
Após o vídeo, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), classificou a abordagem como "inaceitável" e afirmou que os PMs foram afastados das ruas.
<b>O caso</b>
Segundo o boletim de ocorrência, a abordagem policial foi realizada por volta das 14 horas na Rua Forte do Ladário, em Parelheiros. Os PMs teriam sido acionados após uma reclamação de que um bar estaria funcionando durante a quarentena – o funcionamento desse tipo de estabelecimento ainda não era permitido em maio.
Os policiais declararam ter encontrado quatro clientes no local e que um deles tentou fugir. No documento, o soldado da PM disse ter suspeitado da conduta e pedido para o homem encostar na parede com as mãos na cabeça, mas não foi atendido.
Isso teria dado início a uma confusão, durante a qual uma "senhora descontrolada" teria usado uma barra de ferro e depois um rodo para tentar agredir os policiais, segundo relataram na delegacia. O soldado, então, teria dado uma rasteira na mulher.
No BO, em que aparece como "testemunha", o soldado justificou que foi preciso fazer "uso progressivo da força". A versão é corroborada pelo cabo da PM que também participou da ação e foi incluído no documento como "condutor". Ambos são da 2ª Companhia do 50.º Batalhão Metropolitano (5º BPM/M).
Já a mulher, uma comerciante de 51 anos que precisou ser hospitalizada após o caso, contesta a versão. Em entrevista ao programa de TV, ela disse que foi empurrada na grade do bar, levou três socos e quebrou a tíbia ao levar a rasteira.
"Tinha um carro na frente do bar com som alto. Ela já tinha pedido para ele abaixar o som, não sei se deu tempo de ele obedecer", diz Felipe Pires Morandini, advogado da comerciante. "Ela viu uma abordagem bastante truculenta e um dos rapazes que estava sendo agredido é conhecido dela, ele frequentava o local. Ela pediu para que o policial parasse, porque o rapaz estava quase desmaiado, mas começaram a agredi-la também."
Em uma das cenas do vídeo, a mulher aparece deitada no chão com um dos policiais pisando em seu pescoço. Depois, ela é algemada e arrastada para uma calçada. Já na calçada, a comerciante é novamente imobilizada pelo pescoço. Desta vez, o PM usa o joelho.
"O policial pisou no pescoço dela, ela foi arrastada pelo asfalto e chegou a desmaiar quatro vezes. Ela não foi para a delegacia no mesmo dia que os outros, porque precisou ir para o hospital e receber atendimento de emergência. O primeiro esforço é defendê-la das acusações de que ela saiu descontrolada com uma barra de ferro. Os policiais falaram, mas o vídeo desmente. Infelizmente, é mais uma ação truculenta em um bairro periférico", afirma o advogado.
Morandini disse que ela ainda se recupera das agressões. "Ela está bastante traumatizada, por todos os traumas psíquicos que sofreu, pela recuperação médica e fisioterapia para recuperar a tíbia, que foi fraturada e precisou passar por cirurgia."
Nas redes sociais, o governador João Doria disse que as cenas "causam repulsa". "Inaceitável a conduta de violência desnecessária de alguns policiais. Não honram a qualidade da PM de SP".
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que um inquérito policial militar (IPM) foi instaurado em 30 de maio e que os policiais já foram afastados. Eles vão ficar fora das atividades operacionais até o fim das investigações.
"A mulher mencionada pela reportagem, após liberação médica, foi apresentada à autoridade policial, no dia 31. Informada sobre seus direitos, ela decidiu permanecer em silêncio e se pronunciar apenas em juízo, assim como os outros dois homens detidos no dia anterior. Todos permaneceram à disposição da Justiça. O caso também é investigado por meio de inquérito pelo 25.° DP, responsável pela área dos fatos."
A secretaria disse ainda que "não compactua com desvios de conduta de seus agentes e apura rigorosamente todas as denúncias". Informou também que, desde o dia 1.º, policiais militares de todos os níveis hierárquicos estão participando de um treinamento para "reforçar os conhecimentos e técnicas da instituição.
A medida foi anunciada por Doria no mês passado, em meio ao recorde de letalidade e a uma série de denúncias de violência policial.
<b>George Floyd</b>
O tipo de imobilização usada no caso de Parelheiros tem sido alvo de críticas principalmente após a morte do americano George Floyd, em Minnesota, nos Estados Unidos, em maio.
Ele foi asfixiado por um policial que prendeu seu pescoço com o joelho por quase nove minutos. A ocorrência desencadeou protestos em várias partes do mundo.