Variedades

Um filme sobre a memória – e contra o esquecimento

Spencer Tyrell nasceu em Uruguaiana, na fronteira do Rio Grande do Sul. Ama a sua terra, sua gente, mas tem esse nome de gringo. “Meus bisavós eram ingleses”, explica. Spencer Tyrell é o diretor de Cidades Fantasmas. O longa documentário venceu a etapa brasileira do É Tudo Verdade. Estreou na quinta, 15. É belíssimo. Tyrell mapeia quatro cidades abandonadas: Humerstone, no Chile; Armero, na Colômbia; Fordilândia, no Brasil (no Pará); e Epecuén, na Argentina.

Tyrell possui uma produtora com amigos, a Galo de Briga. Toda quarta-feira reúnem-se – os integrantes do grupo e amigos – para trocar ideias sobre possíveis filmes. Surgiu o tema das cidades fantasmas. Tyrell participara da filmagem de um curta em Epecuén e sabia que aquilo ali dava filme. Começaram a pesquisar e foram definindo as cidades. Fizeram o promo no Chile. A Casa de Cinema de Porto Alegre integrou-se e, com elas, a Globo News e o Canal Brasil. Cidades Fantasmas já nasceu com prazo de entrega. O filme com as quatro cidades foi entregue à Globo News, que o deixou rodar por festivais antes de marcar a data de exibição. Com isso, Cidades Fantasmas chega aos cinemas. Mas há também uma série – sobre oito cidades – e essa é do Canal Brasil.

Cada uma das cidades do filme guarda uma tragédia. O ciclo do salitre, na cidade chilena; a erupção de um vulcão, cujas cinzas destruíram a colombiana (e as autoridades sabiam que isso podia acontecer); a cidade mítica que Henry Ford construiu na selva brasileira, e abandonou; e a cidade argentina que sumiu sob as águas de uma represa mal planejada, durante a ditadura argentina.

Você é capaz de não acreditar, mas o filme e a série nasceram rapidamente. “Tivemos dois meses de pesquisa, 25 dias numa viagem de reconhecimento, quando conhecemos os personagens que havíamos conseguido contatar por telefone e internet; e um mês de filmagem.” Haja planejamento logístico para atingir tanto, em tão pouco tempo.

“Tínhamos pouco dinheiro”, Tyrell esclarece. O importante é que, durante o reconhecimento, ele já pensou em tudo – no sol, nos personagens, até nos ângulos de câmera. Foi só passar o filme pela câmera, como Alfred Hitchcock gostava de dizer. Mas houve umas bússola a nortear esse projeto, e foi a literatura latino-americana.

Eduardo Galeano, de As Veias Abertas da América Latina. As imagens são belas, os cenários, desolados. Mas o que importa é a tragédia humana. Dona Esperanza, que chora a filha desaparecida em Armero, ao que tudo indica levada pelo tráfico de crianças. “Me senti horrível invadindo a privacidade dela, mas a necessidade de falar era tão grande, o desabafo tão visceral que ela falou por 28 minutos. Não perguntei nada. Perguntar o quê? Estava paralisado. Acho que, no desabafo de Dona Esperanza, temos toda uma história de luta por dignidade do continente.” É um filme sobre a memória, contra o esquecimento. Um grande filme.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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